O primeiro personagem da nova etapa da coluna ‘Memória Mariana’, que começa a também abrir espaço aos jogadores da própria cidade que brilharam no ‘Esquadrão da Fé’, é um homem de muita fé: José Antônio de Melo, o ‘Pelé’.
Ele saiu dos ‘rachas’ na terra da antiga rua Catiguá, na vila Operária, para ser campeão da Divisão Intermediária e conquistar o acesso para a elite estadual com a camisa do XV de Jaú e participou da histórica equipe do VOCEM em 1978, quando o ‘marianinho’ ingressou no futebol profissional.
ORIGEM – Um dos muitos filhos do sorridente e saudoso ferroviário ‘Henriquinho’ e da saudosa ‘dona Maria, José Antônio de Melo, nasceu no dia 13 de novembro de 1950, é o retrato da felicidade de alguém que pode se orgulhar de ter vencido na vida pelos próprios méritos e suor do seu esforço e trabalho.
Àquela época, na década de 70, ninguém poderia imaginar que dos ‘rachas na hora do almoço’, numa rua de terra, em meio à poeira nos dias de sol e lama quando chovia, na antiga rua Catiguá -hoje rua Otacílio Dorácio Mendes-na ex-vila Coelho -atualmente vila Operária-, sairia um dos poucos assisenses que conseguiu chegar à elite do futebol paulista como jogador profissional.
“Comecei a ‘brincar’ de bola na rua de terra, em frente a casa de meus pais, junto com os amigos de infância, entre eles, os meus vizinhos Dema, Paulinho e Dornela”, conta.
O grupo de garotos pobres se reunia para jogar bola no horário reservado para o almoço do trabalho. Pelé, assim com a maioria das crianças da vila Operária, naquela época, teve o primeiro emprego na fábrica de bebidas ‘Saconi’.
Foi exatamente um de seus amigos de infância, o ferroviário aposentado Waldemar dos Santos, o ‘Dema’, que, à época trabalhava na fábrica de corote, colocou o apelido de “Pelé” em José Antônio de Melo.
Mas não foi por ter o mesmo apelido do “Rei do futebol”, Edson Arantes do Nascimento, que o ‘Pelé’ da vila Operária acabou se tornando um dos poucos jogadores de Assis à conquistar o acesso à elite do esporte das multidões no estado de São Paulo.
“Foi por seu mérito e esforço”, confirma o amigo Maurício Toni, que teve papel fundamental na carreira do jogador, assim como o ex-técnico Sérgio Berti, o ‘Bolão’, e o saudoso dirigente mariano Luis Carlos Sampaio, o ‘Picha’.
‘Pelé’ se recorda do início da carreira: “Meu primeiro treinador foi o Urandi Carricondo. Ele formou a Esportiva e convidou toda a molecada da rua e da vila pra a jogar no time’, e resume: “Ali, começou tudo”.
CAMPEÃO – Em 1972, ‘Pelé’, aos 21 anos de idade, foi convocado para defender a Seleção de Assis nos Jogos Regionais que a cidade sediou. “Me lembro que a modalidade favorita a conquistar o título era o basquete, mas só o futebol acabou sendo campeão, quando derrotou Presidente Prudente na decisão”, conta, orgulhoso.
‘Pelé’ lembra, com facilidade, até hoje, a escalação do ‘timaço’ campeão dos Jogos Regionais de Assis, mesmo sendo 48 anos atrás: “Brasa; Pelé, Padeiro, Zezé e Chiqueto; Misa, Marcos Logar; Jabuti, Zerinho, Pito e Pardal”. O técnico era o saudoso Edgar Pereira da Silveira, que viria a presidir a Liga Assisense de Esportes, anos depois.
‘Pelé’ conta que o título abriu as portas pra ele no mundo do futebol profissional.
“Um diretor de Presidente Prudente assistiu algumas atuações nos Jogos Regionais e fez o convite pra mim e para o goleiro Brasa participarmos de um teste na equipe profissional do Corinthians daquela cidade”, revela ‘Pelé’, que atuava como lateral direito.
Como era de se esperar, ‘Pelé’ foi aprovado no primeiro teste, junto com o amigo e goleiro Brasa. O lateral assinou contrato com Corinthians de Presidente Prudente, onde manteve vínculo por cinco anos, tendo sido emprestado, nesse período, aos times do Dracena e Guarani de Adamantina.
Pelé foi campeão da Divisão Intermediária no XV de Jaú
ACESSO – Em 1976, a convite do técnico Nestor Alves, ‘Pelé’ se transferiu para Jaú, onde ajudou o XV de Novembro a conquistar o inédito título da Divisão Intermediária e o inédito acesso à primeira divisão do futebol paulista.
Apesar do título alcançado e dos convites recebidos para ficar em Jaú e defender outros clubes, ‘Pelé’ decidiu voltar para Assis ao casar com Edeleusa Batista de Melo, com quem divide o lar até hoje, numa casa própria, construída no Parque das Acácias. “Estamos 43 anos juntos e viveremos muitos mais”, diz, orgulhoso.
De volta a Assis, ‘Pelé’ começou a trabalhar na antiga Leco -indústria e distribuição de leite-, na vila Palhares, e ainda teve uma desagradável experiência como auxiliar de serviços numa empreiteira contratada pelo SAAE, que, logo depois, se transformaria em Sabesp. “Era muito pesado pra mim abrir buraco na rua”, brinca.
Logo, ‘Pelé’ foi contratado para exercer a mesma função de ‘serviços gerais’, só que na Prefeitura Municipal de Assis, na administração do prefeito Reinaldo Antônio Silva.
Pelé integrou o time do VOCEM que ingressou no profissional
VOCEM – Em 1978, com o ingresso do VOCEM no futebol profissional para disputar a Terceira Divisão, os velhos amigos Maurício Toni, Sérgio Berti ‘Bolão’ e Luis Carlos Sampaio ‘Picha’, convenceram Pelé a voltar a jogar profissionalmente. Alegaram: “Você tem que jogar no marianinho”, time fundado pelo Padre Aloísio Beline, que passou a ser chamado de VOCEM de Assis.
“Os três pegaram o carro e foram conversar pessoalmente com o ex-dirigente do Corinthians de Prudente, senhor Arthur, que morava em Álvares Machado”, conta ‘Pelé’, que foi junto e disse ter se emocionado com a resposta do dirigente.
“Vocês podem levar o passe desse moço de graça. Ele nunca deu trabalho pra gente. Que ele seja muito feliz”, desejou, ao se despedir o dirigente prudentino.
Com o documento de liberação em mãos, ‘Pelé’ pôde fazer parte da história do VOCEM ao atuar no time que estreou no futebol profissional em 1978, num empate com o Dracena, no estádio municipal Marcelino de Souza. “Foi um tempo muito bom. Éramos todos amigos, dentro de fora de campo”, se lembra.
‘Pelé’, por sua experiência e currículo, em vários jogos ostentou a braçadeira de capitão do ‘Esquadrão da Fé’ durante as três temporadas que vestiu a camisa bordô e branca.
No entanto, a marca registrada do lateral ‘Pelé’ não estava nos gramados. Estava na sua alegria nos vestiários, nas hospedagens, refeições e viagens. “Ele era o ‘palhaço’ do grupo. O mais animado de todos. Vivia rindo e dando gargalhadas”, contam os todos os amigos que compartilharam divertidos momentos no futebol com ele.
Uma das brincadeiras, o próprio contou ao Jornal da Segunda: “Numa das viagens, eu ‘aprontei’ com o saudoso Paulinho Cabral, que era diretor de futebol. Paramos num restaurante à beira da estrada para a refeição. Naquele tempo, os jogadores comiam antes da comissão técnica e diretores”, explicou.
Quando terminou de almoçar e saiu do restaurante, ele decidiu aprontar com um dos diretores que estava começando a refeição.
Pelé foi até um telefone público -‘orelhão’-, tirou o aparelho do gancho e voltou ao restaurante, em direção ao diretor Paulinho Cabral e disse: “Paulinho, tem alguém querendo falar com você no telefone, lá fora”, disse Pelé, sem demonstrar riso.
Cabral, ingenuamente, se levantou e se dirigiu ao aparelho, onde ficou repetindo por vários minutos: “alô?, alô?, alô?”.
Ele só parou percebeu o riso de vários jogadores e descobriu que tinha sido alvo de um trote: “Isso só pode ser arte do Pelé”, caiu no riso, sem perder a sua tradicional tranquilidade.
O jeito ‘brincalhão’ do sempre sorridente zagueiro ‘Pelé’, além da facilidade de atrair amigos, lhe rendeu uma curiosa promoção no serviço na Prefeitura Municipal.
“A gente estava no meio de um jogo difícil, no estádio municipal Marcelino de Souza, quando o prefeito Reinaldo Silva, que assistia a partida junto ao alambrado, me disse: ‘se você fizer um gol, eu promovo você a pintor'”, revelou.
Coincidentemente, o gol da vitória saiu após uma cobrança de escanteio, que Pelé completou para o fundo da rede. O zagueiro artilheiro não titubeou e correu para comemorar em direção ao patrão que, de imediato, repetiu: “Pode levar sua carteira no Departamento Pessoal, amanhã mesmo”, ordenou.
No dia seguinte, bem cedinho, com a carteira profissional na mão, o ajudante de serviço José Antônio ‘Pelé’ entrou no Departamento Pessoal da Prefeitura e se dirigiu ao antigo chefe do setor.
– Vim trazer a carteira para ser promovido a pintor.
No entanto, a dura resposta do chefe lhe assustou:
– Não é assim não. A gente não promove funcionário de um dia para o outro, sem critérios.
‘Pelé’, que tinha deixado o local de trabalho bem cedinho, decidiu permanecer no Paço Municipal e aguardar o prefeito Reinaldo Silva chegar.
O prefeito nem bem estacionou o carro, e ‘Pelé’ foi em sua direção para contar o episódio.
Reinaldo Silva pegou no braço de Pelé e foi lhe arrastando até o setor. “Ele subiu as escadas furioso”, relembra Pelé.
O prefeito chegou no Departamento Pessoal e deu um soco no balcão de madeira e gritou com o chefe do setor, indagando: “Quem é o prefeito da cidade?”
Nem bem esperou a resposta e ordenou. “Eu sou prefeito desta cidade. A partir de hoje, o ‘Pelé’ passa a ser o mais novo pintor da Prefeitura”, e saiu, convidando o promovido funcionário a tomar um café em seu gabinete.
Com a chegada do técnico Valter Zaparoli no VOCEM, na década de 80, ‘Pelé’ parou de atuar profissionalmente e foi merecedor de uma ‘partida de despedida’ no estádio Municipal Marcelino de Souza, que reuniu vários jogadores.
Aos finais de semana, ‘Pelé’ continuou jogando por muitos anos na equipe master do próprio VOCEM até decidir parar, definitivamente, com a bola.
‘Pelé’ trabalhou como pintor na Prefeitura Municipal de Assis até o dia 27 de março de 2012, quando o Diário Oficial do Município publicou sua merecida aposentadoria por tempo de serviço.
“Agora, curto a família, frequento a ‘Casa do Senhor’ e tenho o tempo todo livre para poder brincar com os amigos, principalmente para comentar os resultados do Corinthians”, brinca José Antônio Melo, o ‘Pelé’, um dos grandes ‘guerreiros da fé’, com marcante passagem na história do VOCEM de Assis.