Fala, Niva! – “Carequinha e a Loura do Cemitério”

Carequinha, nos seus quase 50 anos de idade, é um cidadão comum desses que a gente está acostumado a ver na rua. Homem de poucas palavras prefere mais ouvir do que falar. Além disso, também gosta de quando está em um bar, beber a sua cerveja acompanhada de um copo de pinga com limão espremido. Mas, o que ele gosta mesmo é de um baile, por isso, dificilmente ele fica um final de semana sem balançar o esqueleto.

Pois bem, naquela manhã de sexta-feira, assim que ele abriu os olhos, um sorriso apareceu em sua face. Ainda deitado na cama se lembrou de que era dia de pagamento ou vale, não importa. Ele iria ter dinheiro pra gastar. E ali mesmo, antes de sair da cama, ele já começou a traçar os seus planos para quando a noite chegasse.

Assim, ele tomou o seu banho, o café e caminhou para o trabalho. Lá chegando, o patrão logo de cara estranhou tamanha felicidade. Entretanto, achou que era por causa do dinheiro que ele iria receber no final do dia, mas não disse nada.

É que Carequinha chegou cantando e passou o dia todo assim, ora cantarolando ora assoviando e com aquele sorriso no rosto que parecia até que iria receber um milhão.

Na cabeça dele os planos iniciais eram rapidamente substituídos por outros, à medida que ele fazia mentalmente suas contas. E tira uma despesa daqui e coloca outra no lugar, pega outra de lá e coloca pra cá, empurra uma conta pro mês seguinte e assim foi durante o dia todo. Claro, ele ficou matutando a melhor maneira para sobrar mais dinheiro no bolso. Então, ele pensava: se eu fizer desse jeito vai sobrar x, mas se for do outro jeito vou ter y, e ainda daquele outro modo, ai vai sobrar tanto, e se…

E cada pensamento desse vinha acompanhado de um baita sorriso e uma nova canção era entoada ou assoviada logo em seguida. Não tinha como não perceber a felicidade que Carequinha estava demonstrando. Os amigos de trabalho e o patrão até se perguntaram, mas ninguém sabia dizer ao certo o que, de fato, estava acontecendo, o real motivo dessa alegria sem fim. Até arriscaram um palpite: Acho que ele vai sair com alguma mulher hoje à noite! Um colega, o mais curioso da turma, não resistindo foi até ele e perguntou o que estava acorrendo para tanta alegria. E ele respondeu: nada, não tá acontecendo nada!

Entretanto, nos seus pensamentos ele imaginava, maquinava o dia todo: hoje vai dar para tomar quantas cervejas eu quiser, e da boa ainda; hoje vai dar para chegar e voltar do baile de táxi; hoje posso até jantar em um restaurante antes do baile, se quiser.

Hoje é o meu dia!

À noite chegando – Lá pelas quatro da tarde o patrão o chamou para ele ir ao escritório receber o que era seu de direito, aí a felicidade aumentou. O patrão, bem que tentou tirar alguma coisa dele, mas, ele pegou a grana e começou a contar, viu que estava tudo certo, fez três maços e colocou em seus bolsos. Com isso, ele nem ouviu direito o que o patrão estava lhe dizendo e a conversa ficou por isso mesmo.

Agora com um sorriso de orelha a orelha e cantando ainda mais alto, ele não tirava os olhos do relógio. Não via a hora de ir embora. Cinco minutos antes do horário normal ele já estava de prontidão esperando. Dessa forma, ele foi o primeiro a assinar o ponto, se despediu de todos desejando um ótimo final de semana e saiu quase correndo do local.

Já na sua casa, ele começou a se preparar para a grande noite. Pegou a roupa que iria usar, que já estava escolhida desde a quarta-feira, e que ele mesmo passou no capricho. Foi pro banho e, dessa vez, foi uma ducha um pouco mais demorada. Jantou como se estivesse diante de um banquete. E depois, sentou diante da TV para relaxar e esperar a hora passar.

Quando o relógio bateu nove da noite, ele achou que já estava na hora de sair. Deu mais uma olhadinha no espelho, conferiu os últimos detalhes no traje, concordou com tudo o que viu, deu mais uma borrifada de perfume, trancou a casa e saiu caminhando como é de costume.

Andando pela rua ele pensava: vou primeiro ao bar “Boa Noite” tomar uma cerveja pra animar, ver se encontro alguns amigos e depois vou pro baile de táxi.

Assim foi feito.

Chegando ao bar, que tinha algumas mesas ocupadas, mas ele não encontrou nenhum amigo. Por isso, ele sentou sozinho em uma mesa e pediu uma cerveja da boa e um copo de pinga com limão. Enquanto ele observava tudo ao redor, seu pensamento estava todo voltado para o baile.

Ele mal havia tomado o primeiro gole e estava com o olhar fixo na TV, vendo um programa esportivo. De repente ele se desligou da TV, olhou para o lado na sua mesa e havia uma mulher sentada lhe fazendo companhia. Ele levou um susto que quase caiu da cadeira, porque não a tinha visto chegar. Nem ele e nem ninguém. Então, ela falou primeiro e disse com aquela voz sedutora assim que ele botou os olhos arregalados em cima dela:

– Posso tomar um copo de cerveja com você?

Claro! Pode sim! Fique à vontade! Não tem problema nenhum! Disse ele já com outras intenções. E claro, com aquele sorriso!

Aí, para servir a moça, ele pediu mais um copo para o dono do bar, que achou muito estranho aquele pedido. Afinal, ele não estava vendo mais ninguém na mesa a não ser Carequinha. E pra quem seria esse copo, então? Mesmo assim, acabou levando o copo.

A essa altura, Carequinha já havia filmado a tal moça da cabeça aos pés, e não acreditava que tudo aquilo havia caído em seu colo dessa maneira. Do nada! Tanto que nem perguntou o nome dela e ela também não disse.

Inebriado, Carequinha pensou até que era seu dia de sorte mesmo.

A felicidade era tanta que ele até dispensou a ajuda divina e imaginava: hoje não preciso, deixa comigo que eu resolvo.

Não quero nem que Deus me ajude!

Papo vai, papo vem, mais um gole de cerveja e os pensamentos de Carequinha já haviam mudados por completo. Agora, ele queria mesmo, era ficar com a tal loura.

Jogou pra cima da mulher todo o seu repertório de conquistas, aquele papo de malandro que você sabe qual é.

Enquanto isso, todos os presentes no bar o olhavam com estranheza, até chegaram a comentar: mas, Carequinha tá conversando com quem, ele não está sozinho na mesa?

Será que ele bebeu demais, tá bêbado? Os maldosos diziam: ele nunca bateu bem da cabeça mesmo. Acho que ele pirou, isso sim. Agora ele deu pra falar sozinho, eu hein.

Mas, Carequinha não estava nem aí com as conversas alheias, estava focado na loura e não via a hora de sair dali para um lugar mais sossegado, digamos. Por isso, ele deu uma acelerada pra terminar logo a cerveja. Torceu para a mulher dar por satisfeita com a bebida e, mentalmente, ele imaginava: não posso perder essa loura.

A vontade era tanta, que agora ele se lembrou de Deus e pediu uma forcinha. Como que atendendo o seu pedido, assim que terminou a cerveja ela disse com aquela voz que era mais do que um convite:

– Você mora onde?

Ele disse o local que, por coincidência, era o caminho da casa dela.

– Você me acompanha?

Com os olhos brilhando igual a uma estrela em noite de Lua Nova, ele abriu um sorriso discreto tentando demonstrar cavalheirismo. Depois disse, sim, meu amor!

Mais uma vez, Carequinha imaginou: a sorte está do meu lado hoje.

Assim, ele pagou a conta e os dois saíram do bar de mãos dadas. Na plateia foi um comentário geral, porque ninguém viu ele sair acompanhado, e aquele braço esticado, como que segurando a mão de alguém, não fazia sentido.

Caminhando pela rua, Carequinha notou que a noite estava maravilhosa: Lua Nova no céu estreladíssimo, temperatura amena aquela hora, caminhando de mãos dadas com um loura estonteante e dinheiro no bolso. Não estava faltando nada. Quero dizer, quase nada!

Conversa daqui, conversa dali até que chegaram ao portão em frente ao cemitério. Aí, ela diminuiu o passo, olhou bem para ele e disse:

– Eu moro aqui!

Dito isso, para o desespero de Carequinha, ela atravessou o portão fechado, nem olhou para trás, e sumiu cemitério adentro.

Carequinha quase desmaiou, os poucos cabelos ficaram todos em pé, tremeu da cabeça aos pés, arregalou os olhos o máximo que pode e não sabia o que fazer. Não se sabe de onde, mas arrumou forças e saiu em desabalada carreira sem rumo. Só queria sair dali.

O homem correu, correu e correu, chegou em sua casa ofegante e, praticamente, arrombou a porta e, depois, colocou uma poltrona na mesma como medida de proteção. Sentou no sofá, tomou uns três copos de água com açúcar pra se acalmar e passou o resto da noite a imaginar quem, o que seria essa tal loura. Não conseguiu pegar no sono essa noite!

Até hoje ele tem certo receio com mulheres louras e reza pra nunca mais encontrar a tal mulher!

niva

Niva Miguel é jornalista e professor,
membro do Instituto Zimbauê,
autor do livro “Além da Notícia”.
[email protected]

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