Esta historinha é do tempo do cardeal Joseph Ratzinger, que escolheu o nome de Bento 16 ao assumir como papa o comando da Igreja Católica. A escolha homenageava outro papa, o Bento 15, que comandara a Igreja no início do século XX, entre 1914 e 1922. E a história conta que aquele Bento havia sido inimigo pessoal de outro papa, o Pio 10.
Para que todos entendam o significado da eleição de Bento 16 pelo voto dos cardeais do Vaticano, é bom destacar que Pio 10 havia sido o único papa canonizado naquele século, até então. Dá pra imaginar como era reacionário o Bento 15, inimigo de um santo. E como foi constrangedora a escolha feita pelos cardeais. Eleitores, às vezes, escolhem cada coisa… Sabemos bem, não?
Enfim, para entrar logo na historinha, que envolve meu filho então caçula, de 5 anos, destaco apenas que o novo Bento, o 16, confirmou-se como um dos mais reacionários e intolerantes governantes da Igreja Católica, fazendo jus à sua admiração pelo Bento anterior.
Imagino o que Ratzinger não faria com o neto da dona Zoraide, católica praticante, se soubesse o que o menino aprontou. Morávamos em São Paulo e Zoraide visitava os netos nas férias de fim de ano. Na mala, levava sempre um crucifixo, de pouco mais de um palmo, que acomodava sobre o criado-mudo para as orações ao dormir e despertar.
As crianças cresciam sem informação religiosa naquela casa. Os pais entendiam como violência impor-lhes suas crenças. Naquela manhã, o menino entrou no quarto da avó para lhe dar bom dia. Ela estava sentada à beira da cama, terço à mão, e os lábios sibilavam uma oração. Ele aproximou-se, olhos curiosos, um sorrisão contido:
– Tá falando sozinha?
Após a gargalhada, ela respondeu:
– Não, estou falando com Papai do Céu.
E apontou para o pequeno Cristo pregado na cruz de madeira sobre o criado mudo. O menino encantou-se com a figura de braços abertos na cruz. Pareceu à avó que ele beijaria a imagem. Qual o quê. Horrorizada, ela viu o neto pegar o crucifixo e imitar um avião. Preenchia a desinformação religiosa com o gesto mais familiar que o objeto lhe inspirava.
Como Ratzinger, o Bento 16, interpretaria aquela ignorância do menino? Caberia excomunhão a ele e aos pais?
De minha parte, cauteloso diante da permanente ameaça do inferno, prefiro ver o gesto como uma homenagem. Afinal, quem não quer aquele piloto para o frágil aviãozinho da sua vida?
Júlio Cezar Garcia é jornalista e um dos fundadores do Jornal da Segunda