FALA, JÚLIO GARCIA – O alicate ignorante

Amanheci, dia destes, com a lembrança da greve dos jornalistas em São Paulo, 40 anos atrás. Creio que a lembrança ocorreu após ler na internet um comentário do amigo Paulo Cardoso, o Paulinho Bit, que também trabalhava em redação na capital àquela época.

Era maio de 1979 e o Sindicato dos Jornalistas havia mobilizado de forma impressionante as redações em torno da reivindicação de reajuste salarial de 25%. O Sindicato Patronal contrapôs 2%.

Eu e o Paulinho estávamos na assembleia no Sindicato, que reuniu 1.692 profissionais no Teatro da Universidade Católica (Tuca). Um recorde de participantes, mas muito longe do número total de profissionais das redações. Nos debates pró e contra a greve, tínhamos ouvido o editor da Folha de S.Paulo, e nosso professor de redação jornalística na Cásper Líbero, Emir Nogueira, advertir:

­­- Não há unanimidade. Corremos o risco de ler sobre essa greve nos nossos próprios jornais.

Ignoramos o mestre. Às 16 horas do dia seguinte, cerca de 300 repórteres, editores, apresentadores, fotógrafos, filmadores e diagramadores se reuniram em frente aos portões da Folha de S.Paulo, para organizar um piquete, já que estava confirmada a presença dos fura-greve na redação, produzindo o jornal. No Estadão, o piquete era de 200 pessoas.

Eu e o Paulinho Bit fomos escalados para o piquete da Folha, na rua Barão de Limeira. Já era noite quando o Paulinho perguntou quanto dinheiro eu tinha no bolso. Tinha um tanto. Ele também tinha. Então, propôs:

– Vamos à Mesbla.

Fomos, apressados. Juntamos nossos trocos e compramos dois metros da corrente de ferro mais grossa e o maior dos cadeados. Voltamos pela avenida São João até a Folha. À frente dos colegas, demos quatro voltas de corrente na junção dos dois protões e colocamos o cadeado gigante. Ganhamos aplausos.

O piquete retardou a saída dos caminhões até umas duas horas da madrugada. Mas, “seu” Frias, o dono da Folha, chamou os bombeiros. Um soldado, com um alicate descomunal, aproximou-se da nossa corrente. Só ouvimos o barulho. A corrente saltou flácida como uma linguiça. E os caminhões saíram ruidosos, roncando os motores em escárnio a nós. Não me esqueço do comentário desolado do Paulinho Bit:

– Alicate ignorante!

De manhã, os jornais, mesmo com número de páginas reduzido, estavam nas bancas. Com a notícia da nossa greve.


fala, julio garciaO autor, Júlio Cezar Garcia, é jornalista e um dos fundadores do Jornal da Segunda

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