Era uma daquelas noites em que a insônia nos obriga a ficar com a tevê ligada madrugada adentro. Em um dos canais, o escritor Ariano Suassuna comentava experiências que geram boas ou más histórias.
– Uma história boa de viver é ruim de contar, mas uma história ruim de viver é muito boa de se contar – dizia o mestre.
E deu o exemplo pessoal. Foi um banho de rio, em grupo, em Taperoá, na Paraíba. Eram todos estudantes, nadando nus e seminus, em um ponto do rio próximo à delegacia de polícia. Foram todos detidos. Na delegacia, o sobrenome denunciou:
– Suassuna? – perguntou o delegado.
– Você é parente do meu médico? Do meu querido doutor Suassuna?
– É meu irmão mais velho – respondeu o interrogado.
– Ora, ora… – A autoridade tamborilava com a ponta dos dedos a sua indignação.
– Então o meu médico tem um irmão que gosta de tomar banho pelado…
Foi interrompido pelo jovem:
– E o senhor toma banho de roupa?
O delegado, evidentemente, não gostou da petulância.
– Quer zombar com a minha cara, não é? Pois vão todos passar a noite no xilindró.
Era um cubículo exíguo. Dormiram todos no ladrilho frio da cela. Só foram liberados na manhã seguinte.
– Não foi bom de viver, mas é muito bom de contar – arrematou Suassuna.
Neste mês de março, faço graça com o causo do mestre para recordar outro evento, cerca de 40 anos atrás.
Estávamos no corredor da maternidade, aguardando o nascimento do primeiro filho, quando a avó entrou com os olhos arregalados:
– O plantão da TV acaba de dar que o delegado Sérgio Fleury morreu. Morreu afogado. Será que foi queima de arquivo?
Ficou sem resposta porque o choro rouquenho e forte vazou sob a porta da sala de parto e inundou nossos corações. Chegava o primeiro filho de um casal muito jovem e inseguro com a novidade. Inseguro e feliz.
A história dele seria breve. Faltava um mês para completar 3 anos. Um Chevrolet Opala atropelou o menino. Março. Dia 25 de março. Os irmãos dele, que vieram depois, estão bem. Inteligentes, saudáveis, bonitos. Meus amigos espíritas dizem que aquele está mais bonito do que estes.
Talvez hoje não fosse um bom dia para escrever. Fazer o quê? Uma vez por ano, nesta época, a melancolia me visita. Não evito. Apenas discordo do mestre Suassuna. Há histórias ruins de viver e de contar.
Júlio Cezar Garcia é jornalista e um dos fundadores do Jornal da Segunda