Geraldilene, minha rebelde e politizada operária do lar, uma vez mais chega atrasada. E chega cantando Rita Lee:
– “Tá tudo down no hight society.”
Estranho essa alegria matinal, antes mesmo de qualquer palavra-de-ordem, antes do habitual protesto contra o transporte coletivo, o ônibus lotado, o preço da passagem… Provoco:
– Que euforia é essa? Não vai reclamar nem do salário? Acabou a luta de classes?
– Ela finge não ouvir, passa por mim e repete a frase da música lá da cozinha:
– “Tá tudo down no hight society”…
Dá uma gargalhada e reponde, rindo:
– Acabou, nada! Agora cedo, fui pedir emprego em outro lugar que paga uma merrequinha a mais.
– Ora, se vai mudar de emprego, o que está fazendo aqui?
– Não deu certo. Acabei demitida antes da contratação. Vou aguentando sua exploração até o operariado assumir o comando do país e abolir a escravidão. Vai ter indenização, viu?
– Pode ser mais clara?
– Quando o operariado politizado chegar ao poder, vai …
Interrompo:
– Não é essa a minha dúvida. Quero saber que diabos aconteceu lá, ao tentar outro emprego?
– O cara me disse que exigia um clima de camaradagem entre funcionários e empresa, como em uma família. Dei uma gargalhada e ele me tocou de lá.
– E por que você riu?
– Comparar empresa com família? Na família, quando vem uma crise, o pai não expulsa o filho de casa para reduzir despesa. Ao contrário, corta o bife em dois, em três, divide o arroz, o feijão… Dá um jeito de servir um pouquinho pra cada, até a situação melhorar. Na firma, a primeira medida quando falam de contenção de despesas, é a demissão do funcionário. Não se importam se o trabalhador tem família para sustentar, escola para pagar… Foi só isso que falei pra ele.
Enquanto eu pensava em algo para contrapor, ela emendou:
– É, explorador, você vai ter de me engolir mais um tempinho.
Que ela não saiba, mas eu não saberia ficar sem essa rebeldia por aqui.
Júlio Cezar Garcia é jornalista e um dos fundadores do Jornal da Segunda