Dia da consciência negra será comemorado na praça da V.O. com samba e poesia

Acontece na tarde deste sábado, dia 19 de novembro, na praça da Vila Operária, em Assis, uma intensa atividade cultural para comemorar o Dia da Consciência Negra.

O evento, promovido pelo Instituto do Negro “Zimbauê”, em parceria com a escola de samba Unidos da Vila Operária, terá início às 14 horas e contará com participação de grupos de samba e artistas da cidade.

“Será um evento cultural e político em defesa do debate da discriminação racial e do preconceito, que, infelizmente, também atinge os negros na cidade de Assis”, conta a ativista Mônica da Silva.

O membro do Instituto do Negro Zimbauê, Niva Miguel, escreveu um texto para refletir sobre a data.

Racismo, violência e luta!

Reprodução de um diálogo na internet:
Imagine você cansado esperando duas horas numa fila. Daí vem um negro e uma parda e passam na sua frente furando a fila. Você vai gostar? Isto é o sistema de cotas!
– Imagine você cansado esperando três séculos e meio numa fila. Daí vem um branco rico, uma branca classe média alta, outro branco classe média e mais uma branca e todos passam na sua frente. Você morre, seus descendentes te substituem na fila. A fila muda de lugar, mas a sua família continua nela. Você vai gostar? Isso é o Brasil antes do sistema de cotas!

Por mais incrível que isso possa parecer, ainda no Brasil em pleno século XXI, uma minoria branca, também conhecida como elite, topo da pirâmide, andar de cima, classe média e, de uns tempos pra cá, também o pobre de direita, insiste em permanecer vivendo igualzinho aos tempos da chegada dos primeiros negros por aqui. Só não se sabe ao certo se foi em 1511 ou 1539. Certeza mesmo é que houve até protestos por parte dos colonos, porque só podiam importar 120 africanos, vindos de Angola, do Congo, de Benguela, de Monjolo, do Capim da Mina, de Kiloua, do Rebolo… contra a vontade e todo mundo já sabe como foi, né?

Esse viver da sociedade brasileira pode ser assim definida: aqui onde estão os homens, de um lado cana-de-açúcar, leia-se, poder, dominação,exploração. Do outro lado o cafezal, leia-se trabalho, muito trabalho. Ao centro senhores sentados vendo a colheita do algodão branco, leia-se, Casa Grande, bancos, indústrias, universidades, prefeituras. Sendo colhido por mãos negras, leia-se, senzala, desumanização, animalização, favela, desigualdade, humilhação, presídio, morte, resistência.

Mesmo sendo a carne mais barata do mercado, mas por ter segurado esse país no braço, a comunidade negra guarda o direito de brigar bravamente por justiça e por respeito pelos antepassados da cor. E elegeu o dia 20 de novembro, o “Dia da Consciência Negra”, para homenagear Zumbi dos Palmares, símbolo maior da luta negra em todo Brasil.

Sendo assim, no dia 20, a partir da zero hora, no país inteiro os atabaques tocarão fortes, mais fortes do que de costume. A comunidade toda estará comemorando feliz, disposta e, mais que isso, confiante de que é possível vencer essa luta. Detalhe: o som dos atabaques só os iniciados conseguirão ouvir, assim como o canto que será entoado e que diz: “chama nosso povo e vamos trabalhar. A fumaça do cachimbo do vovô, sobe no ar e só não vê quem não quer. Quantas estrelas têm no céu, Preto Velho já contou, o Rosário de Maria, Preto Velho já rezou”. É daí que vem a força pra mudar esse quadro, a força que sustenta esse povo, a força que o mantém na luta, a certeza de que um dia vencerá e de que a vitória está próxima!

O racismo no Brasil – As ideias acima expostas, não deixam dúvidas e apontam que o Brasil é um país desigual e racista. Por aqui quanto mais negro, maior é a discriminação. E é bom lembrar que o racismo se aprende, isso quer dizer, se ensina, ele não é natural. Na sociedade em que vivemos existe a necessidade de haver categorias sociais e critérios de superioridade. É preciso acabar logo com isso.

E é bom saber também como isso tudo começou. O racismo surge realmente nos séculos XVI e XVII, sobretudo nesse último. Os europeus praticavam a escravidão e, há alguns séculos, escravizavam pessoas na África e no Novo Mundo. A história do racismo no mundo ocidental é amplamente associada à escravidão como uma forma primitiva do colonialismo. E é nesse contexto que algo chamado raça é criado, o que significa essencialmente que certos povos definidos como não europeus são dominados e governados por europeus. Os britânicos não se tornaram traficantes de escravos e escravizadores por serem racistas.

Tornaram-se racistas porque usavam escravos para obterem grandes lucros nas Américas e criaram um conjunto de atitudes em relação aos negros para justificar o que faziam. A verdadeira força motriz detrás do sistema escravocrata era a economia. Os africanos eram produtos de comércio para serem vendidos, arrendados, herdados. Eram como os outros bens do comércio. E é nesse contexto que o negro chega ao Brasil, como uma mercadoria.

Entende-se dessa forma, que o racismo brasileiro é oriundo de um olhar europeu sobre o diferente, no caso, sobre o negro. A elite brasileira exclui os afrodescendentes do processo econômico, político e social. Em outras palavras, o padrão europeu de comportamento continua imperando na classe dominante brasileira.

A exclusão e a não participação do negro nos setores fundamentais da sociedade brasileira dificulta mudanças urgentes que precisam ser feitas no país, a desigualdade encabeça a lista.

Violência e racismo – O racismo permeia tanto a violência que está presente em todo estado brasileiro assim como da forma que o Estado lida com a situação. Segundo o cientista político, Jorge da Silva: “as elites intelectuais brasileiras do final do século XIX e início do século XX produziram uma explicação que deixava de fora a questão racial. O país, segundo essa crença, tinha conseguido construir uma sociedade racialmente democrática. Mas aí fizeram a pesquisa e concluíram exatamente o contrário: que o Brasil talvez tivesse problemas até mais graves do que os de outras sociedades nas quais se reconhecia o racismo. Hoje esse mito se perdeu, foi derrubado!”. Mas a violência continua cada vez pior.

Senão, vejamos: A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado divulgou, em junho deste ano, em Brasília, um relatório que diz sobre o Assassinato de Jovens: todo ano, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são assassinados. São 63 por dia. Um a cada 23 minutos. E tem mais!

Esses dados foram extraídos do Mapa da Violência, que indicou que entre 2002 e 2012, os números de homicídios da população branca caíram 24,8%, em compensação a da população negra cresceu 38,7%. Isso quer dizer que negros morreram 72% mais que os brancos.

O referido índice, aqui no Brasil já é chamado de epidemia por especialistas quando se trata da mortandade de jovens negros. A taxa de homicídios contabilizados é de 36,9 a cada 100 mil habitantes, contra 9,6 dos brancos. Se for homem, a possibilidade de sofrer um homicídio aumenta em quase 12 vezes.

No Brasil, segundo o Sistema Nacional De Atendimento Socioeducativo, as unidades para a ressocialização mantêm em “situação de privação de liberdade”, aproximadamente 24 mil adolescentes, 57,41% são considerados negros ou pardos.

Mulheres negras – Para as mulheres negras a dor tem sido muito maior. Os dados, segundo o Mapa da Violência são cruéis para com elas. Em 2003, a taxa de homicídios de mulheres negras no país era de 4,5 para cada 100 mil habitantes. Em 2013, a taxa subiu para 5,4/ 100 mil habitantes. Por outro lado, com as mulheres brancas a taxa caiu, em 2003, de 3,6 para 3,2/100 mil habitantes. Em 10 anos, 2003/13, a taxa de homicídios de mulheres negras aumentou 19,5%, e a taxa das mulheres brancas caiu 11,9%.

Estudos da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, apontam que em 2013(dados mais recentes disponíveis), foram assassinadas no Brasil 7,8 mulheres negras todos os dias. A disparidade entre as mortes de mulheres negras e brancas tem a contribuição de pelo menos três fatores: politização da temática da segurança, terceirização da Segurança Pública e racismo.

E como se não bastasse, segundo o Ministério da Justiça, a maior parte da população carcerária feminina, que é de 37.380 detentas, (dados de 2014), é composta por jovem, negra e baixa escolaridade. 49% têm entre 18 e 29 anos, 39% entre 30 e 45 anos e 12% mais de 46. Quanto aos estudos, quase 45% dizem ter o fundamental incompleto e 3% ingressaram em uma universidade. As mulheres negras e pardas são a maioria das unidades prisionais do Brasil, chegando a 61% contra 37% das mulheres brancas.

É preciso mudar

Diante do quadro acima exposto, é urgente que haja uma mudança na sociedade brasileira para que os afrodescendentes, homens e mulheres, passem a serem vistos como iguais. A comunidade negra não está alheia aos retrocessos que vêm ocorrendo no país. Por isso, além da comemoração do “Dia da Consciência Negra”, é preciso mostrar que o atual governo é uma ameaça aos direitos conquistados pela população negra nos últimos anos.

Sendo assim, além da já tradicional comemoração, paralelamente haverá manifestações denominadas: “Fora Temer, nenhum direito a menos!”. Em São Paulo, a marcha sairá do vão livre do MASP, com concentração marcada para as 11 horas.

Alguns dos eixos da manifestação são os seguintes:

1. Manutenção e fortalecimento das políticas públicas de promoção da igualdade racial com a criação de órgãos de políticas de igualdade racial nos municípios onde não existem, e fortalecimento onde existem;

2. Manutenção e fortalecimento das políticas públicas para mulheres, dando prioridade às mulheres negras, com a criação de órgãos de políticas para mulher nos municípios onde não existem, e fortalecimento onde existem;

3. Combate ao genocídio da juventude negra, contra a redução da maioridade penal e a violência policial e pela implantação de políticas públicas para jovens negras e negros, em especial dos bairros periféricos;

4. Políticas de ação afirmativa com corte racial e de gênero, implantação de medidas para ampliação da presença de mulheres negras nos espaços de poder;

5. Cumprimento da Constituição que trata da titulação e regularização de terras das comunidades quilombolas e demarcação das terras indígenas, com políticas públicas para a melhoria das condições de vida, entre outros temas.

Como se vê, Milton Nascimento tem razão:

Mas, é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre, quem traz na pele essa marca, possui a estranha mania de ter fé na vida.

Niva Miguel é jornalista, professor e autor do livro “Além da notícia”. Também é membro do Instituto do Negro Zimbauê, de Assis.

 

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