CRÔNICA DO NIVA: ‘Aquilo que vem todo ano!’

Leugim Avin, é um cidadão comum desses que a gente está acostumado a ver caminhando pelas ruas. Quero dizer, não tão comum assim, é verdade, se for olhado com um pouquinho mais de atenção. Isso porque ele carrega em seu ser um não sei o quê, que faz com que ele tenha um sorriso fácil, esteja sempre de braços abertos para te darum abraço e põe à mostra uma felicidade de quem está de bem com a vida, acreditando que amanhã tudo vai ser melhor. Que tudo será bem diferente do que está hoje!

Pois bem, na última sexta-feira ele me ligou, disse que estava com saudades, pois há muito tempo não nos víamos. Ele estava fora da cidade. E me convidou para bebermos algo e conversarmos em algum lugar bonito e que estivesse cheio de gente ao redor. Disse ele que é sempre bom ter pessoas por perto indo e vindo. Escolhemos um café!

Assim, no final de tarde estávamos juntos e conversando, depois dos cumprimentos. Falávamos de política, de futebol, de outros amigos e, claro, também dos nossos amores.Tudo isso regado a croissant, bolo, tortas e outras coisinhas mais. A coisa estava boa, de verdade mesmo!

Num determinado momento da prosa, ele parou de falar, me olhou e depois disse:

-Vou te fazer uma pergunta e você terá que acertar na primeira, certo?

Levei um susto, arregalei os olhos, lhe dei um sorriso maroto e lhe questionei: mas, Leugim estamos conversando sobre coisas do coração e você me vem com esse ar meio enigmático? Que tipo de pergunta você quer me fazer, é sobre o que estamos falando?

– Sim, é, quero dizer, mais ou menos, sei lá.

Veja bem, hem!

– Me diga o que você entende por “aquilo que vem todo ano”.
Antes mesmo de poder lhe responder, ele tomou a frente e com um leve sorriso começou a falar. Na verdade, pensei eu, ele quer dar umas dicas para a resposta que eu devo dar.

Um pouco de história

-Não me lembro de nada da primeira vez em que ele veio me visitar, não tenho nada guardado na memória desse acontecimento. E quanto mais o tempo vai passando mais distante isso vai ficando.

Devo dizer que a única recordação está gravada em um porta retrato no qual há meia dúzia de fotografias, comum naquela época. Dizem que sou eu e em todas elas estou sorrindo. Não sei o que fizeram para que isso acontecesse. Em uma delas seguro com a mão direita um lápis querendo colocá-lo na boca. Coisa de criança, creio eu!

Depois desse, todos os anos ele vem me ver. Essa visita dura exatas 24 horas, nem mais nem menos. Um dia e pronto. Mesmo assim, é uma alegria sem fim que começa muito antes e atinge o seu esplendor com a sua chegada.

Assim como não me lembro do primeiro, também não consigo me lembrar de muitas outras visitas que ele me fez, mas sei que ele veio. Lembro-me da 15ª, 16ª visita em que não o recebi como devia, queria que aquela fosse a 18ª. Pois, assim, teria mais idade e seria considerado um homem maduro. Coisas daquele tempo. Bobagem, né?

Lembro-me de que em uma das suas visitas me preparei com esmero para recepcioná-lo. Naquele dia coloquei terno e gravata, sapato bico fino de cromo alemão, caprichei no perfume M7 e fui trabalhar assim, todo bonito, para o espanto dos companheiros que sempre me viam trajado de outra maneira. Além disso, uma amiga resolveu justamente nesse dia me dar um bolo de chocolate de presente. O tal presente foi compartilhado com todos no trabalho.

Essa visita foi boa, fiquei feliz, muito feliz. Talvez por isso, a alegria vivida durou um pouco mais. Mesmo assim, ele se despediu de mim deixando no ar que voltaria no próximo ano, e foi indo embora devagarzinho, mas se foi…

Depois dessa tive outras visitas marcantes, quero dizer que, aprendi a recebê-lo com o que eu tenho de melhor. Por isso, resolvi que deveria chamar alguns amigos para compartilhar da sua visita. Então, o ideal seria fazer uma festa, e assim foi feito!

-Não estava entendendo muito bem toda aquela fala, pensava em um monte de coisas para tentar compreender o tal enigma. Ele, animado, falava com alegria e, às vezes, se emocionava, mas não parava de falar. Eu simplesmente ouvia como um bom ouvinte.

– Cara, devo dizer a você que a 42ª visita foi marcante, estava em um período feliz, animado e o coração batia por mim e por mais alguém. Você sabe como é isso, não é?

– Não deu nem tempo de responder. E ele continuou.

– Por isso, queria mostrar para a minha visita ilustre todo esse meu contentamento. Mais que isso, queria dividir tudo isso com ele.Então, chamei alguns amigos e na festa tinha bebidas, coisas para comer e, claro, tinha música boa tocando. Um Jazz!

– Aí, eu não me contive e o interrompi perguntando: um Jazz, meu?E que Jazz que rolou por lá? E ele continuou novamente.

-Ah, tinha um pouco de tudo, fiz uma bela seleção. Tinha Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Cassandra Wilson, Dee Dee Bridgewater …O som estava perfeito, aliás, tudo nesse encontro saiu como manda o figurino. Magnífico!

Depois dessa, todos as outras visitas foram com recepções em grande estilo, afinal, o visitante fez por merecer em todas as vezes em que ele veio. Agora que ele já deu o sinal de que está para chegar pela 62ª visita, ando meio apreensivo e pensando no que posso fazer de melhor para lhe agradar.

Confesso que, às vezes, penso que ele pode estar cansado de mim e queira me abandonar qualquer dia desses, no meio do caminho. Penso também que nem todas as vezes o tratei como deveria. Penso tantas coisas…

O mais estranho é que pensando essas coisas sinto que, pela primeira vez, estou conversando com o meu visitante. Sempre achei que ele não falava, mas ele fala. Então, ele disse o seguinte: “é verdade que muitas vezes em que vim te ver e trouxe comigo para dividir com você o que eu tenho de melhor, e você não foi um bom anfitrião. Mas isso já passou, como tudo na vida passa. É verdade também que na maioria das vezes, principalmente, nos últimos tempos você tem me feito feliz em todas as vezes em que tenho vindo. Você não sabe, mas eu sei. Sei que quando venho eu sou bem recebido. Sei da sua alegria quando estou presente. Sei do seu contentamento em dividir essa sua alegria, por causa da minha presença, com pessoas que você gosta e com quem gosta de você.

Mais que tudo isso, sei que, quando eu tinha que partir, você silenciosamente agradecia pela minha presença. Você disse várias vezes que estava feliz com isso e que já estava me esperando pela próxima visita. Por causa disso, eu sinto saudades de você e tenho sido fiel a ti. Por isso, eu tenho vindo lhe ver todos esses anos. E vamos continuar assim até quando Deus quiser.

– Então, meu amigo Leugim Avin, me perguntou mais uma vez o que é: “aquilo que vem todo ano?”

Seu aniversário!

Niva Miguel
Niva Miguel é jornalista e professor, membro do Instituto Zimbauê e autor do livro “Além da Notícia”.

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