CRÔNICA – De onde a gente é

De onde você é, leitor amigo?

Faço a pergunta por brincadeira, apenas para resgatar um problema que vivia quando a pergunta era feita a mim.

Para responder, eu me estendia longa e enfadonhamente.

Foi no deserto do Atacama, no norte do Chile, que ouvi argumentos para encurtar a resposta.

Estava lá a trabalho, em reportagem publicada em fevereiro de 1999.

Vejam se tenho razão.

Grávida de mim, minha mãe Zozô morava em Palmital, aqui pertinho.

Na época, metade do século passado, os costumes levavam as parturientes à casa das mães, e muito pouco às clínicas cínicas que impunham cesáreas desnecessárias para turbinar o preço do atendimento.

Todo mundo nascia em casa, pelas mãos da parteira. Quando o parto era levado a um hospital, a cidadezinha punha-se em oração, porque algo grave poderia estar ocorrendo.

Pelos costumes da época, Zozô foi dar-me à luz na casa da minha avó Dilú, em Cornélio Procópio, no norte do Paraná.

Após o parto, ficou duas semanas lá até voltar com o bebê para Palmital. Pouco depois, minha avó também se mudou para Palmital.

Assim, perdi completamente a ligação com a origem paranaense.

Então, sou de onde?

Palmital?

Morei lá apenas 12 anos.

No início da década de 1960, mudamos para Assis, onde vivi até meus 20 anos, no início dos anos 70, quando fui cursar faculdade em São Paulo.

Ainda no primeiro ano da faculdade, passei no teste para revisor na Editora Abril, na marginal do Tietê, onde também fui pesquisador de textos para as redações.

Com o tempo, acabei nomeado redator e, em seguida, editor do Almanaque Abril.

Trabalhei na Abril mais de uma década. Voltei para Assis e, em seguida, rodei por Presidente Prudente, Brasília, Rio Preto…

Sempre em uma relação muito forte com essas cidades.

Por isso, quando me perguntavam de onde sou, desenrolava essa história enfadonha sobre as mudanças.

Em uma reportagem em San Pedro de Atacama, a “capital” do deserto chileno, encontrei a diretora do Museu Arqueológico de lá, a brasileira Maria Antonieta Junqueira, que conhecia o mundo ao lado do marido, funcionário da ONU.

E acabei por perguntar de onde ela era.

A resposta foi um alívio:

Rodei por aí, pelo Rio, por São Paulo, Santiago… Mas, prefiro dizer que sou de São Paulo, porque tenho convicção de que a gente é do lugar onde passa a adolescência.

Minha angústia terminou ali.

No lugar da adolescência, desabrocham as primeiras emoções, o primeiro amor, os primeiros sonhos com a profissão, os primeiros compromissos éticos, ideológicos e suas consequências.

É quando rascunhamos as primeiras convicções e adotamos os primeiros ídolos.

A dúvida deu lugar à certeza.

Eu era de Assis.

Agora, aposentei-me em Rio Preto e voltei para a minha cidade.

Feliz.

fala, julio garcia

Júlio Cezar Garcia é jornalista e um dos fundadores do Jornal da Segunda

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