Uma decisão, tomada na semana passada, de usar os recursos arrecadados em duas ‘vaquinhas’ criadas para investir em ações de combate à pandemia do coronavírus na cidade de Assis para a compra de uma ambulância UTI Móvel para a Santa Casa de Misericórdia de Assis promete abrir uma grande discussão entre as autoridades de saúde no município.
O debate, aliás, já foi aberto com a justificativa do voto contrário da enfermeira Beatriz Souza Dias, que integra a comissão como voluntária.
Por outros meios, conseguimos a carta que ela endereçou a outros profissionais da saúde, explicando sua posição e apelando para que a Comissão reveja a posição.
Embora o JSOL –Jornal da Segunda On Line– não tenha conseguido autorização da enfermeira Beatriz Souza Dias para publicar o documento escrito para embasar sua decisão, a direção do jornal entende que a divulgação, nesse momento, serve para contribuir no debate sobre o delicado tema.
Eis o documento:
PERIGO: decisões baseadas em sonhos x decisões técnicas
“Meu nome é Beatriz de Souza Dias, para quem não me conhece, sou graduada e pós-graduada pela UNIFESP, e também Pós-graduada em Administração de Serviços de Saúde pela Faculdade de Saúde Pública da USP-SP, pós-graduada em Administração Hospitalar pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo e Administração Pública pela FUNDAP-SP.
Em 23 de março deste ano, fui seduzida pela Kátia a participar de um grupo de empresários, voluntários, que faria com que “Todas as doações pensadas aqui sob a iniciativa do nosso querido Zé Roberto Zanchetta estão voltadas a atender, indistintamente, as necessidades das instituições: UPA, SAMU, NAR, HR, Santa Casa de Assis e Secretaria Municipal de Assis (Assistência primária) e serviços de emergência que, porventura, sejam implementados ao longo desse período de combate à COVID 19.” – Palavras de Telma, provedora da Santa Casa de Assis em 24/03/2020.
Seduzida pelo espírito público e ansiosa por fazer diferença, na atual crise, com conhecimentos administrativos, técnicos e epidemiológicos acumulados e adquiridos com muito estudo e experiência prática, me voluntariei também para participar da Comissão de Acompanhamento, achando que poderia contribuir nas decisões técnicas que caberia a um grupo formado por 4 integrantes da diretoria da Santa Casa de Assis, e 3 indicados de alguma forma por estes integrantes.
Em 1º de abril, isto mesmo, primeiro de abril, fui incluída pela Telma no Grupo do WhatsApp da Comissão.
Venho durante todo este tempo, como pessoa física, e não como Assessora Técnica do Hospital Regional de Assis, tentando ser útil nesta comissão.
No dia 15/04/2020, fui surpreendida por esta proposta da Doutora Telma, e que teria que ser votada naquela hora, quando o pedido do Hospital Regional de Assis para compra de TNT, já havia sido colocado no grupo há duas semanas, sem retorno da provedora:
FUNDO ASSIS CONTRA COVID-19
Esse fundo, criado por um grupo de voluntários, tem por objetivo prover recursos para a aquisição de insumos e equipamentos, visando a profilaxia e a assistência de pacientes com COVID-19 e o apoio aos serviços de assistência primária da Secretaria Municipal de Saúde, SAMU, UPA, NAR, Hospital Regional e Santa Casa de Assis, que atendem a população da cidade de Assis e Municípios da região.
Todas as movimentações financeiras serão criteriosamente acompanhadas por uma comissão de avaliação e controle.
Os relatórios serão divulgados, garantindo a total transparência de todas as ações.
Abaixo, seguem as necessidades apresentadas pelos serviços.
A Santa Casa de Assis entende também, que além das necessidades relacionadas ao consumo, é preciso deixar um legado para o período pós-COVID-19.
Ou seja, algo que seja utilizado no momento e que depois tenha utilidade pública.
Por isso foi apresentada a premência da compra de uma UTI móvel.
“Hoje, no momento da COVID, teremos que transportar pacientes com COVID-19 da UPA para o NAR/Hospital Regional/Santa Casa, do NAR para Santa Casa; pacientes com suspeita ou diagnóstico comprovado de COVID de outros hospitais das cidades que fazem parte da nossa rede, para o NAR ou para os locais regulados pela CROSS; transporte de pacientes graves e em especial de crianças que apresentem COVID para os Centros de Referência em Marília; e pacientes clínicos que serão também transportados para outros locais, caso haja necessidade de leitos para COVID.
Ou seja, se todos estes transportes forem realizados pelo SAMU a cidade de Assis e região ficará sem este serviço, que é essencial na urgência, para o socorro imediato.
No pós-COVID a existência de uma UTI Móvel suprirá a falta que existe hoje no transporte de pacientes nas 12 cidades que compõem a nossa região, que geram gastos elevadíssimos na contratação de UTIs que vêm de cidades circunvizinhas.
Além do custo elevado, o tempo nas emergências é um fator crucial para salvar vidas. Como as UTIS vêm de fora, perde-se mais de 1 hora até que cheguem de outros locais”.
INSUMOS E EQUIPAMENTOS POR INSTITUIÇÃO
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
Insumos – EPIs
• 500 Máscaras N95 – R$ 16.000,00
• 2000 Máscaras descartáveis (40 cxs com 50) – R$ 8.800,00
• 1000 Lençóis descartáveis – R$ 8.370,00
• 500 Propés (5 cxs com 100) – R$ 125,00
• 500 Gorros descartáveis (5 cxs com 100) – R$ 60,00
• 500 Aventais descartáveis Impermeáveis – R$ 7.650,00
• Luvas de procedimento: 20 caixas P; 20 caixas M; 20 caixas G – R$ 2.394,00
• 10 Óculos de Proteção em Acrílico – R$ 44,50
• Pulverizador de desinfetante – R$ 307,78
Total R$ 43.751,28
UPA – Unidade de Pronto Atendimento
Desfibrilador (Philips Medical Systems) – R$ 30.000,00
Insumos – EPIs
• 500 Máscaras N95 – R$ 16.000,00
• 2000 Máscaras descartáveis (40 cxs com 50) – R $8.800,00
• 1000 Lençóis descartáveis – R$ 8.370,00
• 500 Propés (5 cxs com 100) – R$ 125,00
• 500 Gorros descartáveis (5 cxs com 100) – R$ 60,00
• 500 Aventais descartáveis Impermeáveis – R$ 7.650,00
• Luvas de procedimento: 20 caixas P; 20 caixas M; 20 caixas G – R$ 2.394,00
• 10 Óculos de Proteção em Acrílico – R$ 44,50
• Pulverizador de desinfetante – R$ 307,78
TOTAL – R$ 73.751,28
(NAR) – Núcleo Atendimento Referenciado
Insumos – EPIs
• 500 Máscaras N95 – R$ 16.000,00
• 2000 Máscaras descartáveis – R$ 8.800,00
• 50 Capotes de segurança impermeáveis com capuz – R$ 2.500,00
• 10 Sapatos hospitalares – R$ 510,00
• 10 Máscaras Face-Shield – R$ 440,00
• Luvas de procedimento: 20 caixas P; 20 caixas M; 20 caixas G – R$ 2.394,00
• 500 Gorros descartáveis – R$ 60,00
• 50 Filtros (Bacteriano) – R$ 585,00
• 10 Óculos de Proteção em Acrílico – R$ 44,50
• Pulverizador de Desinfetante – R$ 307,78
• Container para transporte com tampa – R$ 2.882,00
TOTAL – R$ 34.523,28
HOSPITAL REGIONAL
• Instalação de Ar Comprimido e Oxigênio* – R$ 20.470,00
• Hipoclorito de Sódio – R$ 2.770,00
• TNT – R$ 2.475,00
TOTAL – R$ 25.715,00
SANTA CASA DE ASSIS
Ambulância diesel – R$ 165.000,00
Equipamentos (respirador portátil, cardioversor, oxímetro, bomba de infusão, cilindro de O2, reanimador, termômetro infravermelho, dentre outros) – R$60.000,00
Total – R$ 225.000,00
Todas os serviços Total Geral – R$ 402.740,84
Saldo na conta bancária – R$ 273.579,99
Saldo na “vaquinha solidária”- R$ 6.845,00
TOTAL ARRECADADO – R$ 280.424,99
Bem, como podem ver, dificilmente aceitaria esta decisão sem me colocar e justificar tecnicamente meu voto e o fiz desta maneira, já que a justificativa da provedora foi: “Coloquei o nosso imenso desejo de adquirirmos nossa tão sonhada UTI móvel. Não coloquei nada de insumos para a Santa Casa, pois acredito que aquele recurso repassado pelo judiciário tem esta finalidade”.
“Telma, me desculpe, mas acho que ter UTI móvel na Santa Casa ou serviço de ambulância é um projeto nada autossustentável e com um custeio muito alto. Têm que ter plantão de disponibilidade médica 24 horas, pagamento por saída, equipe de enfermeiros, motoristas, equipamentos e manutenção de tudo isto. Sendo que o serviço de remoção do paciente é uma obrigação do Estado, entendo como um “tiro no pé” administrar este serviço dentro do hospital. Temos serviços na região que têm atendido muito bem e são contratados por saída. Acho que o foco dos hospitais deve ser a assistência e não serviços de remoção. Desculpe, mas é a minha opinião com a experiência na área hospitalar aqui, em Bauru e São Paulo”.
Ao que mesma me respondeu: “Respeito totalmente sua opinião, mas tudo isso já foi devidamente e meticulosamente mensurado. Agora está com a comissão”.
Solicitei a mensuração meticulosa, e ainda estou no aguardo dela.
Diante do exposto, e em respeito às pessoas que se voluntariaram neste grupo, com recursos financeiros, trabalho suado, insumos ou conhecimento, e também para que meu voto seja bem identificado como técnica que sou. Voto técnico, sem nenhum interesse pessoal, a não ser o de protegera saúde das pessoas que amo e pela minha mãe, Dona Lia, hoje com 94 anos, que deu seu tempo familiar para o trabalho voluntário nesta cidade, assim como pelas minhas netas Helena e Lina e meus filhos João e Bruno, que não vejo há meses.
Alguns membros da Comissão votaram com o discurso de que a curva da pandemia está descendendo, justificativa que rebati, tecnicamente, com boletins epidemiológicos ministeriais e internacionais que comprovam justamente o contrário.
Já que a Santa Casa já está devidamente equipada e com material de consumo suficientes para enfrentar o caos que nos aflige, faço aqui minhas sugestões:
1 – Dê um bônus salarial aos trabalhadores da Santa Casa que poderão amparar melhor suas famílias, visto que o salário é bem sofrível;
2 – Capacite os funcionários em serviço, monte um laboratório de ensino e capacitação, com aprimoramentos e treinamentos em ATLS, ACLS e outros;
3 – Contrate mais, diminuindo a carga de trabalhode cada um e reduzindo o risco dos mesmos;
4 – Adquira exame para todos os trabalhadores (PCR) para que possam voltar tranquilos para suas casa sem colocar suas famílias em risco;
E ainda, gostaria muito, que a decisão fosse revista, para que possamos continuar no objetivo do grupo de atender as urgências e necessidades de todos os envolvidos no Plano de Contingência Municipal de Enfrentamento ao COVID.
Lembro ainda que o recurso ministerial que virá para o município, não será suficiente para atender as necessidades de assistência em todas as complexidades, assim como às necessidades sociais de 100 mil habitantes.
Atenciosamente,
Beatriz de Souza Dias”
ET – O JSOL –Jornal da Segunda On Line– obteve uma informação que a provedora da Santa Casa, Telma Andrade Carneiro, teria emitido uma nota a respeito do assunto.
Tentaremos conseguir o teor do documento para publicação.
Fotos ilustrativas