O trabalhador e a trabalhadora podem ser importunados a qualquer hora por meio eletrônico, seja celular, e-mail e outras formas de comunicação, fora da jornada, sem contar como tempo à disposição do empregador, regime de prontidão ou de sobreaviso. É isso que prevê a Medida Provisória MP 1.108/22, editada pelo governo de Jair Bolsonaro, que trata de questões relacionadas ao trabalho híbrido, caracterizado pela execução das tarefas parte dos dias da semana em casa e parte na empresa.
Publicada no dia 28 de março, a MP alterou a legislação e passou a prever que apenas “empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa” podem ficar sem controle de jornada.
Agora há dois tipos de regime de jornada para o teletrabalho: um com jornada de trabalho, que é caracterizado por controle de ponto e pagamento das horas extras; outro sem jornada de trabalho, por produção ou tarefa.
Antes, a previsão legal abarcava todos os trabalhadores em teletrabalho, independentemente de como eram desempenhadas e entregues as atividades.
A mudança foi duramente criticada pelo secretário de Relações de Trabalho da CUT Nacional, Ari Aloraldo do Nascimento. Segundo ele, há um movimento no Brasil e no mundo, de interesse do empresariado, pela expansão das formas de controle do trabalho à distância e pela redução e repasse de custos da atividade econômica das empresas.
“A MP, não por acaso, trata da possibilidade do teletrabalho por produção, sem controle de jornada de trabalho, do tempo de não trabalho, dos descansos remunerados, do direito à desconexão, sem contrapartidas de remuneração, repassando os custos da empresa para a classe trabalhadora, sem discussão de condições de saúde e segurança, e do direito da família à privacidade e outros direitos”, diz Ari.
Crítica neste sentido faz também os advogados do Escritório LBS, que analisaram o teor da MP do governo. Para eles, é possível ao empregador controlar a jornada de trabalho e tal restrição pode estimular a adoção de produções ou tarefas em grande volume, acarretando jornadas de trabalho exaustivas.
Outra medida contida na MP é que essas mudanças não precisam ser feitas por meio do Acordo Coletivo de Trabalho. Basta o patrão pressionar o trabalhador que, sem apoio do seu sindicato, sairá mais uma vez prejudicado, alertam os advogados do LBS.
“A antiga redação possibilitava a negociação coletiva do regime de trabalho híbrido, o que agora torna-se desnecessário, distanciando o movimento sindical do trabalhador e possibilitando pactuação de forma individual”, dizem os advogados.
Sobre este ponto, o presidente do Sindicato dos Bancários de Assis e Região, Fábio Escobar, ressalta que tentam, insistentemente, impor a negociação individual, há anos, em detrimento da negociação coletiva.
“Na negociação individual, o trabalhador ou a trabalhadora que necessita do trabalho para seu sustento e da família, ainda mais em momentos de crise econômica como o atual, se sujeita a qualquer tipo de regramento da empresa. Já na negociação coletiva, a classe trabalhadora une forças para colocar limites à sanha do capital de aumentar seus lucros através da precarização das condições de trabalho”, diz Escobar.
Na mesma MP sobre o teletrabalho a empresa fica isenta de pagar os custos de mudança de cidade do trabalhador, caso seja determinado o retorno para as atividades presenciais e também não exige qualquer negociação coletiva.
Para o secretário de Relações do Trabalho da CUT Nacional, mais uma vez o governo ataca um direito conquistado por meio da luta sindical junto às empresas nas negociações coletivas e junto ao Congresso Federal.
“A ampliação do teletrabalho foi acelerada durante a pandemia como forma de proteção a milhões de trabalhadores e trabalhadoras que tiveram a oportunidade de não se exporem ao vírus da Covid-19 nos locais de trabalho, sobretudo em sua fase mais aguda”, ressalta Ari.
A MP também dificulta eventual discussão de enquadramento do empregado em teletrabalho como operador de telemarketing ou de teleatendimento, que tem jornada reduzida.
A única medida que poderia ser benéfica, que priorizaria o teletrabalho aos empregados com deficiência ou com filhos até 4 anos, na verdade, segundo os advogados, não traz obrigação ao empregador já que a palavra “prioridade” incluída no texto, não obriga a nada.
Programa Renda e Oportunidade – No total, o governo federal publicou diversas alterações legislativas, por meio da edição das Medidas Provisórias nºs 1.105, 1.106, 1.108 e 1.109 e do Decreto nº 10.999. O conjunto de alterações foi denominado “Programa Renda e Oportunidade”.
A MP nº 1.105 permite o saque extraordinário do FGTS de até R$ 1.000,00, até 15 de dezembro de 2022. A MP nº 1.106, por sua vez, amplia a margem de empréstimo consignado dos atuais 35% do valor do benefício de aposentadoria e pensão para até 40%, além de incluir o empréstimo consignado também aos beneficiários do (BPC) ou do Auxílio Brasil.
A MP nº 1.107/22 institui o Sim Digital – Programa de Simplificação do Microcrédito Digital e a MP nº 1.109/22 traz mudanças temporárias na legislação em decorrência nas situações de estado de calamidade, com mudanças no teletrabalho, possibilidade de antecipação de férias individuais e coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas, suspensão da exigibilidade dos recolhimentos do FGTS, suspensão dos contratos de trabalho, redução da jornada e do salário, pagamento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda.
Por fim, o Decreto nº 10.999 antecipa o pagamento do abono anual (13º salário) devido aos beneficiários do INSS.
As MPs publicadas no dia 28 têm prazo de validade de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, para serem aprovadas no Congresso Nacional. Se não forem apreciadas nesse prazo, deixam de valer.
“O governo deveria estar empenhado em promover emprego e renda e não precarizar os postos de trabalho. Sua preocupação deveria ser com os preços dos combustíveis, do gás de cozinha e dos alimentos, com o escândalo do MEC, mas não sua única preocupação é retirar direito do trabalhador e proteger os maus patrões”, finaliza Ari Aloraldo.
Saiba o que é Acordo Coletivo de Trabalho (ACT)
O Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) é feito a partir de uma negociação entre o sindicato que representa a categoria, os próprios trabalhadores e uma empresa. O ACT estipula condições de trabalho e benefícios, reajustes salariais etc.
Diferentemente da Convenção Coletiva de Trabalho, que vale para toda a categoria representada, os efeitos de um Acordo Coletivo de Trabalho se limitam apenas às empresas acordantes e seus respectivos empregados.
O Acordo Coletivo de Trabalho está disposto no § 1º do artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho e é instrumento jurídico que, para ter validade após a negociação, precisa ser aprovado em assembleia da categoria.
Quando o acordo coletivo não é firmado entre as partes nas mesas de negociação, a empresa ou o sindicato recorrem a Justiça do Trabalho que estabelece o dissídio coletivo.
Informações e imagem: Sindicato dos Bancários de Assis e Região