A Câmara Municipal de Assis aprovou, na sexta-feira (11), Decreto Legislativo concedendo o “Diploma de Mérito Zumbi dos Palmares”, que será entregue na sessão desta segunda-feira, às 19 horas, à alagoana, radicada em Assis, Nilza Alves de Andrade.
De autoria dos vereadores Reinaldo Nunes – Português e Edson de Souza – Pastor Edinho, com apoio de todos os demais parlamentares, o “Diploma de Mérito Zumbi dos Palmares” será concedido anualmente às pessoas que contribuem na luta contra o preconceito racial, qualquer forma de descriminação e os que realizam atividades para a promoção da igualdade racial.
A escolha do homenageado(a) é indicada por uma comissão formada por dois membros do Instituto do Negro de Assis – Zimbauê e dois do Poder Legislativo.
A primeira pessoa a ser homenageada é a artesã alagoana Nilza Alves de Andrade, 66 anos, que adotou Assis para viver e desenvolver sua arte de fazer vasos e panelas em barro (argila).
A seguir um texto em homenagem a primeira ganhadora do “Diploma Zumbi dos Palmares” Nilza Alves de Andrade.
A arte no barro e a arte no viver
“A terra depende quase sempre do coração do homem: é minúscula se o coração for pequeno, é imensa se o coração for grande. A pequenez da minha terra nunca me afligiu e nem por isso tenho a pretensão de possuir um grande coração. Mas não vim ao mundo para sopesar toda a tristeza da Terra. Em vez disso, prefiro sonhar, mais e mais, de pé no meio do meu quintal, como costumam fazer todas as velhas da minha idade, até que a morte me apanhe em meu sonho, na plenitude da minha alegria” Simone Schawarz-Bart.
Para quem não conhece, União dos Palmares é uma cidade alagoana, na Zona da Mata, localizada a 73 quilômetros da capital Maceió. Ela é conhecida como “A Terra da Liberdade”, e sabe por quê? Porque foi lá, mais precisamente na Serra da Barriga, que foi dado o primeiro grito de liberdade da luta do negro contra a escravidão, por Zumbi dos Palmares. Foi nessa cidade que eu nasci, Nilza Alves de Andrade, em 1949, filha da dona Josefa Maria da Conceição e do seu José Alves da Silva. A família era grande, como era comum daqueles lados. Na nossa casa nós éramos em 18 irmãos. Eu sempre fui muito apegada com a Grinaura Maria da Silva, um pouco mais velha que eu. Além de irmãs nós somos comadres, ela batizou um filho meu e eu batizei um filho dela. Agora que estou um pouco doente e ela cuida de mim como se eu fosse sua filha.
A vida por lá não era fácil, como ainda não é. Com cinco, seis anos de idade já estava trabalhando na roça, ajudando a plantar e a colher. No entanto, o dinheiro era pouco e quase não dava pra nada, afinal era muita boca pra comer. Para poder viver tínhamos que achar outra forma de ganhar dinheiro e, por causa disso, tive o primeiro contato com a arte de fazer vasos com barro.
A gente pegava barro no meio do canavial durante o dia e tínhamos que esconder do chefe que olhava a gente trabalhar. Ele não deixava tirar barro do local para não fazer buracos e algum animal pisar e quebrar a perna. À noite a gente ia buscar o material escondido e, então, fazíamos os vasos na mesma noite.
Comecei fazendo pequenas cumbucas junto com meus irmãos e logo de cara peguei o jeito da coisa. Quando tinha alguma dificuldade, alguém dizia como tinha que ser feito. Assim passei boa parte da infância e da adolescência trabalhando na roça e fazendo vasos. Depois, aprendi a fazer panelas também. Vendíamos nas feiras e nas ruas da cidade. Dava pra ganhar algum dinheiro porque as pessoas gostavam e achavam bonito o que a gente fazia.
Na região
Mas as dificuldades para sobreviver por lá eram muitas e chegamos a passar fome. Por isso, toda família embarcou em um “Pau de Arara” e viemos para o estado de São Paulo. Nessa viagem que durou de 15 a 20 dias, minha irmã Grinaura perdeu um filho com poucos meses de idade. Foi uma tristeza muito grande para todos nós. Lembro-me que durante o percurso, mesmo com a morte da criança, a gente não parava de rezar pedindo a Deus que nos ajudasse, que olhasse por nós e, por fim, que tivesse piedade de todos para que pudéssemos seguir em frente.
Assim, chegamos a Paraguaçu Paulista para trabalhar na roça. Trabalhamos na plantação de algodão, amendoim e no corte de cana. Quando acabava o serviço na cidade a gente ia para outras lavouras na região: Rancharia, Maracaí, João Ramalho, entre outras.
Ficamos um bom tempo nessa vida. Dava para ganhar algum dinheiro, o suficiente para comer. Nesse período ficamos um pouco longe dos vasos, pois era difícil arrumar barro para fazê-los.
No paraíso
Aí, ouvimos falar que em Assis a vida poderia ser melhor, teríamos mais oportunidades. Arrumamos as malas e partimos mais uma vez em busca de um lugar melhor para viver. Não me lembro direito que ano foi isso, o mais importante é que chegamos aqui, e dessa vez, pra ficar para sempre.
Já na cidade retomamos a idéia de trabalhar com barro novamente. Conhecemos um homem em Cândido Mota que fazia panelas, mas ele usava um torno para confeccioná-las. Foi ele quem disse que poderíamos arrumar barro na beira do rio Paranapanema. E foi assim que começamos nossa história aqui em Assis.
Aqui fazíamos cumbucas, panelas de todos os tamanhos, pequenas, médias e grandes e panelas para fazer feijoada. Produzíamos de 50 a 80 peças por semana. Minha irmã e eu, mais os nossos filhos, vendíamos na avenida Rui Barbosa e em toda cidade. E foi assim que começamos a ganhar algum dinheiro.
A coisa melhorou muito quando conhecemos o casal Paulo Rezende Barbosa e Maria Cândida Barbosa. Eles se interessaram pelo nosso trabalho e levavam nossas peças para serem vendidas em São Paulo, na SUTACO (Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades), que expunham e vendiam nossas peças em grandes feiras de artesanato no país inteiro e em vários países do mundo. Queriam levar a gente pra mostrar a nossa arte lá nos Estados Unidos, mas não fomos porque temos medo de avião. Por causa disso, nunca mais passamos fome.
Quando chegava o dinheiro, a gente fazia aquela compra. Comprávamos arroz, feijão, galinha branca do pé duro, batata, tomate, abóbora….
Minha alegria aqui em Assis ficou maior quando, na década de 1990, a senhora Maria Cândida me levou para dar aulas na FAC (Fundação Assisense de Cultura). Tinha vários alunos crianças e adultos. Eles faziam os moldes e eu trazia para pôr no forno aqui em casa. Era um prazer vê-los fazendo as peças do jeito que eu ensinava e vê-los com as mãos no barro.
Além disso, também participava de exposições na Estação Parada das Artes.
Hoje fico triste de não poder mostrar minha arte e nem dar mais aulas para os outros, mas me sinto uma vencedora por poder ter saído de União dos Palmares e chegado até aqui, mais que isso, poder mostrar uma arte que aprendi na roça com meu pai e minha mãe.
Fico feliz também quando me lembro que aqui eu sou a Dona Nilza e da placa de congratulações que recebi do prefeito Romeu Bolfarini, além da Estação Parada das Artes levar o meu nome: Nilza Alves de Andrade.
Às vezes, quando estou no meu quintal fico pensando que já lutei, e que muitos lutarão e, por muito tempo ainda as pessoas virão a mesma lua, o mesmo sol e contemplarão as mesmas estrelas. E a vida continua…