Claudomiro receberá Diploma Zumbi dos Palmares
Como acontece há vários anos, a Câmara Municipal de Assis e o Instituto do Negro Zimbauê, premiam com o Diploma de Mérito Zumbi dos Palmares, uma personalidade negra que tem contribuído com o seu trabalho para a valorização do negro e da negra enquanto cidadãos. Além disso, sua contribuição tem sido de extrema importância para todos nós que estamos juntos nessa luta. Eis aíum pouco da história do vencedor!
Religião, fé, humanidade e luta!
Naquele sábado, dia 15 de novembro de 1969,na pequena Florínia, seu Silvino de Souza e dona Odete Teófilo dos Santos acordaram ansiosos. A mulher mal conseguiu dormir direito durante a noite, tamanha era a sua ansiedade. E seu Silvino também estava igualmente ansioso, mas tentava disfarçar demonstrando firmeza pelo que estava por vir e pela saúde da mulher. De olho nela, elenão conseguiu pegar no sono nem por um instante naquela madrugada.
Assim que amanheceu o dia, dona Odete avisou seu Silvino para que ele providenciasse uma condução para irem até Assis, pois ela sentia que daquele dia não iria passar. Disse ela no pé do ouvido do marido que um faro de mãe nunca erra. Além do mais, aquilo que ela carregava em seu ventre estava lhe dizendo que o grande momento estava se aproximando.
Seu Silvino não pensou duas vezes e acatoude imediato o pedido da mulher. Logo depois do almoço os dois já estavam em Assis, ela sob os cuidados médicos e ele auxiliando no que era preciso. Desta forma, a tarde transcorreu normalmente. Porém, quando a noite chegou, dona Odete foi colocada em uma maca e levada para a sala de cirurgia. Ela estava tranquila e sorria para as enfermeiras.
Dona Odete, que já era mãe de quatro filhos, nunca disse nada a ninguém, mas carregava consigo que aquela gravidez tinha algo de diferente. Desde o início, ela sentia que aquele feto era algo especial que Deus havia lhe dado, daí a sua tranquilidade. Por isso, ela agradecia a todo momento.Ela sabia que carregava ali um ser que vinha para ser uma grande pessoa. Uma criatura cercada de luz!
Quando o relógio do Hospital e Maternidade de Assis bateu 21h30, a criança deu um grito e respirou pela primeira vez nesse mundo. O médico olhou para a mãe e disse que era um menino saudável, uma bela criança. Novamente orou agradecendo a Deus pela graça, só que dessa vez, com mais fervor ainda. Na verdade, dona Odete estava atônita porque, além da felicidade natural, no grito da criança ela jura que viu e ouviu, em vez do berro e do choro,o menino dar um sorriso e dizer…:
– Cheguei!
De volta a Florínia e indo pra Assis
Depois dos procedimentos normais, a família voltou para a terra natal para seguir a vida. A criança ganhou o nome de Claudomiro de Souza e passou a ser o caçula da família, que antes já tinha os irmãos Sebastião, Nivaldo, Luiz Antônio e Silvia de Souza.
Seu Silvino, que trabalhava na construção civil, passava boa parte do tempo longe da cidade, por isso, a educação do menino, na maior parte, ficou por conta da mãe e dos irmãos que os enchiam de dengos e mimos. Coisas de irmãos para com o caçula!
Foram mais quatro anos morando lá até que a família Souza decidiu que, para terem maiores oportunidades, Deus havia reservado um lugar especial para eles em Assis. Assim, em 1973, mudaram-se para o Bairro Vila Prudenciana. Dois anos depois o menino já estava na Escola Estadual José Augusto Ribeiro. Por lá ele se destacava entre os demais pela vontade em querer aprender, pela atenção aos colegas de classe e, principalmente, pela alegria no viver. Era Serelepe!
Passados alguns meses de aula, um belo dia o menino chegou ofegante em casa e teve que esperar um pouco para poder falar. Cercado pela mãe e pelos irmãos, depois de alguns segundos, o menino soltou a voz e disse:
– Mãe, aprendi a escrever o meu nome!
E escreveu para a mãe ler. Dona Odete se encheu de orgulho e incentivou o filho da melhor maneira que ela sabia, e até fez um bolo para comemorar tal feito. No ano seguinte, Claudomiro ganhou de presente da sua professora seu primeiro livro: “Caminho Suave”. Começava ali seu gosto pela leitura. A mãe que a tudo observava e, como era costume naquela época, sonhava pensando que seu filho seria um homem letrado. Isso a enchia de felicidade!
Nesse período, o menino levava uma vida normal, como toda criança ao redor: brincava com os amigos, frequentava a escola e parecia ser igual a todas as crianças da sua idade. Entretanto, aos nove anos, um fato mudaria sua vida para sempre. Doente e de cama, sua mãe não sabia ao certo o que o menino tinha. Com pouco recursos, de joelhos orou e implorou a Deus por ajuda. E não demorou muito, padre Luciano bateu a porta dizendo que iria levar a criança até o hospital para ser medicada.
Aquilo mexeu profundamente com Claudomiro que passou a pensar que quando crescesse queria ser igual ao padre, queria pertencer a alguma congregação religiosa, queria prestar solidariedade, queria trabalhar com questões sociais e com a valorização do ser humano. Na verdade, ele não sabia o que isso tudo significava, mas queria ser igual ao padre Luciano.
Período de formação
Disposto a levar em frente a ideia brotada na infância, em 1991, com 22 anos, ele entrou para o seminário Diocesano São José. Foram dois anos de estudo. Porém, algo havia mudado no seu pensar. Achava ele que poderia ser mais útil, dar uma contribuição maior à sociedade, se agisse fora do seminário. Por isso, ele aceitou o convite da Caritas Diocesana e foi trabalhar como coordenador na Casa de Recuperação Nova Vida, clínica para recuperação de pessoas viciadas em álcool e em drogas. Ali ele ficou um ano!
Não deu nem tempo para descansar um pouquinho e a irmã Rosa o chamou para coordenar os trabalhos do Comitê de Apoio e Prevenção a AIDS, também aqui em Assis.
E foi nesse local que um belo dia Marilene Alves abriu bem os seus olhos e viu, à sua frente, um negro com os traços bonitos, de lábios carnudos, esguio como a folha do coqueiro, a observá-la com os olhos brilhando e um sorriso de felicidade no rosto. Mesmo sem perceber ela também estava sorrindo pra ele. Claudomiro viu aquela mulher e sentiu que ela seria sua companheira, sentiu que ela seria sua do peito, sentiu que ela seria leal a ele, sentiu…Tanto que, até hoje, formam uma dupla, respeitada por todos que os conhecem.
É hora de acordar
Por conta da sua formação e do seu trabalho, manteve contatos com a Congregação Religiosa Oblatos de São José, em São Paulo, e começou a participar de inúmeras ações desenvolvidas pela Congregação. A partir daí passou a conhecer o Movimento Negro de dentro do seminário, já que ali havia vários padres negros engajados em lutar pela causa e pelas questões sociais de toda ordem.
Isso fez com que ele voltasse a estudar, entrou novamente para o seminário e estudou Filosofia, por dois anos, e se formou em Assistente Social. Trabalhou em favelas e em projetos sociais variados. Por causa disso, o que já estava presente no seu ser, ficou mais forte ainda. Passou a ver o outro como um verdadeiro irmão. Queria desenvolver na sociedade um trabalho edificante. Mais que isso, sentiu que precisava lutar por uma causa: o negro!
Na hora da decisão, ele optou em não assumir a batina, preferiu ser “irmão”, aquele que tem uma vida social fora do seminário e atua profissionalmente em alguma atividade, e participa ativamente em projetos e trabalhos sociais em prol de comunidades carentes.
Sentindo que Assis é o seu lugar, ele voltou para a cidade em 2001, para dar aulas de ensino religioso, no Colégio Santa Maria da Ressureição. Paralelamente, desenvolvia atividades relacionadas com a questão do negro. Foi assim que, em 2001, aconteceu a primeira missa Afro na cidade, celebrada pelo padre Edivaldo. Foram mais dois anos de luta, até que ele conheceu uma médica negra, Dra. Kátia, que tinha o mesmo propósito. Os dois pensaram em criar uma associação e chamar o povo negro da cidade para participar.
No ano seguinte, em 2004, foi fundado o “Instituto do Negro- Zimbauê”, com a finalidade de lutar pelas questões raciais, pela igualdade, pela cultura e por tudo que esteja relacionado com osAfrodescendentes.
Hoje, depois de 14 anos de existência, o Instituto do Negro-Zimbauê conseguiu avançar, pois seus integrantes são convidados a darem palestras em escolas de Assis e região. Todos sabem que em Assis existe um movimento em prol das questões raciais e que o negro e a negra estão inseridos em todos os contextos da cidade. Deixaram de ser invisíveis. Mas, há muita luta pela frente ainda. É preciso lutar pela nossa igualdade.
É, dona Odete, aquele pensamento que a senhora teve quando seu menino estava para nascer, está sendo cumprido à risca. E tenho certeza que está orgulhosa da sua cria. E nós também!
Niva Miguel é jornalista e professor, membro do Instituto Zimbauê, e autor do livro “Além da Notícia”- Brasil-2011 e “Rádio Comunitária: seu papel e sua utilização como instrumento de Educação”- Alemanha-2018.