ARTIGO: ‘Conversa com um Preto Velho!’

“Fio, se suncê precisá. É só pensar na vovó. Que ela vem te ajudar. Pensa numa estrada longa, zim fio. Lá no seu jacutá. E numa casinha branca, zim fio. Que a vovó tá lá. Sentada num banquinho tosco, zim fio. Com a seu rosário na mão. Pensa na vovó Maria Redonda, fazendo oração. Pensa na vovó Maria Redonda, fazendo oração”

Tradicionalmente o mês de novembro é esperado e comemorado pela Comunidade Negra em todo o Brasil, como o mês mais importante do ano. No dia 20 será o ápice da nossa festa, porque marcaremos presença em todo país, por ser o “Dia da Consciência Negra”. Por isso, lembraremos, comemoraremos e saudaremos nosso herói maior, Zumbi dos Palmares, que figura em segundo lugar, atrás de Tiradentes, no “Livro dos heróis e das heroínas da Pátria”, no Panteão da Pátria Tancredo Neves, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Para quem ainda não sabe, Zumbi foi líder do Quilombo dos Palmares, no século XVII, e se tornou símbolo da luta dos negros e negras por dignidade, igualdade e resistência no Brasil.

No país, comandado por brancos há mais de 500 anos, a coisa não está andando para frente, pelo contrário, a cada dia somos obrigados a ver coisas medievais. Nos últimos tempos estamos vivenciando uma hipocrisia sem fim, no Brasil de hoje impera: o ódio, a censura, a violência, a homofobia e, claro, o racismo, entre tantas outras barbaridades.

Os negros e negras, que ergueram e ainda seguram esse país no braço, sofrem diariamente a dor, a opressão e a humilhação, leiam-se chibatadas, por não serem vistos como um igual. Justamente no mês mais importante, como já foi dito, a grande mídia divulga sem muito alerde que: a cada três desempregados no Brasil, dois são negros. Dos 13 milhões sem trabalho, 8,3 milhões são negros e negras, isto é, 63,7% do total.

E como se não bastasse, somos obrigados a saber que o rendimento dos trabalhadores negros e negras foi de R$ 1.531,00, enquanto que o dos brancos e brancas chega a R$ 2.757,00, quase 50% a mais.
E não para por aí, o mais que ultrapassado trabalho denominado de doméstico, empregada doméstica, dos que atuam nesse setor, 66% são negros e negras. Mas, não é só ai, também somos a maioria na agropecuária, na construção e nos setores de alojamentos.

E para terminar, a cada quatro (4) negros ou negras, um é vendedor ambulante. Quando se fala em registro em carteira de negros e negras é de 71,3% inferior aos 75,3% registrados entre os brancos e brancas. Isso tudo é de doer!
E não vamos nem falar da violência policial contra os irmãos e irmãs, da saúde e, principalmente, da Educação. O leitor e a leitora são capazes de chorar. Mas sabemos que o quadro é desesperador!

A força pra resistir

Mesmo assim, estamos aqui e em pé, firmes, fortes e de cabeça erguida, como sempre estivemos. Daí alguns se perguntam: mas de onde vem tudo isso? De onde vem essa resistência tamanha? De onde vem essa vontade de lutar que já faz mais de 500 anos e eles continuam em pé nos quatro cantos do país? Como eles não se dobram? Como eles continuam sorrindo, se divertindo e festejando? De onde vem tudo isso, afinal?

Os Pretos e Pretas Velhas, todos nós sabemos, são sábios e pacienciosos. E são deles os ensinamentos que guiam a comunidade negra nesse país. Pai Benedito disse que durante o longo período de viagem da África pra cá, regado a ração e água, nos navios e depois aqui, o canto dos negros e negras era um só: “Bahia ou África vem cá, vem nos ajudar. Força baiana, força africana, força divina. Vem cá, vem cá”.

– Então, zim fio, são essas as forças que acompanham todos os fios e fias que estão dispostos a lutar por si e pelos irmãos. E essa força, zim fio, todos carregam dentro de si, mesmo sem saber. E ela é invocada a todo momento e no pais inteiro. Essas forças, zim, fio, formam uma corrente impossível de se romper. Por isso, zim fio, ninguém a de nos derrotar. Mesmo porque Zambi está conosco, desde o início.

Zim fio já sabe de toda a nossa história, fica horrorizado quando lê coisas que sofremos no cativeiro, na senzala, no canavial e na Casa Grande. Zim fio fica incrédulo quando vê os castigos que nos eram infligidos. Zim fio sabe de muitas coisas, não é mesmo zim fio? Mas, Preto Véio está dizendo que tudo isso que é contado, não é nem a metade do que passamos. É tudo isso e muito mais, zim fio.

Mas, tudo isso, zim fio, já passou. Preto Véio está feliz porque o nosso sofrimento não foi em vão. Preto Véio, zim fio, vê que nossos fios e fias continuaram a nossa luta.

E, pra finalizar Preto Véio diz o seguinte pra suncê: é preciso só mais um pouquinho de paciência, um pouquinho só. Nós esperamos mais de 500 anos e, agora, a luta está no fim!

– Entendemos que todos os negros e as negras no Brasil têm o papel fundamental que é de lutar e não desistir nunca. De enfrentar e acreditar que nós podemos dar uma contribuição ainda maior para uma sociedade mais justa e igualitária.

Lembrando sempre Wilson Simonal, que nos remete para a nossa história: “Cada negro que for. Outro negro virá. Para lutar com sangue ou não. Com uma canção. Também se luta, irmão. Para sermos iguais. Para sermos iguais”.
Assim tem sido e assim será!

Salve Zumbi dos Palmares! Salve Vicente de Melo!

Niva Miguel

Niva Miguel é jornalista, professor, membro do Instituto Zimbauê
e autor do livro “Além da Notícia”

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