927 – LUTO NA IMPRENSA REGIONAL – Morre o jornalista Sérgio Fleury

Por: André Fleury Moraes/Debate

Um dos maiores ícones da imprensa regional, fundador do jornal Debate e precursor do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a Lei de Imprensa, o jornalista Sérgio Fleury Moraes (foto abaixo) morreu nesta sexta-feira (23), aos 64 anos, em Jaú.

Fleury será velado na Câmara de Santa Cruz do Rio Pardo e ainda não há informações sobre o horário.

Ele estava internado no Hospital Amaral Carvalho após ser transferido da Santa Casa de Santa Cruz. Sérgio havia descoberto recentemente um agressivo câncer que se alastrou rapidamente.

O jornalista deixa três filhos – Caio e André Hunnicutt Fleury Moraes e Sérgio Fleury Moraes Júnior -, além dos irmãos Cibele, César, Neide e Neusa.

Sérgio Fleury morreu aos 64 anos

QUEM ERA – Sérgio Fleury Moraes nasceu em 25 de outubro de 1959 em Santo Anastácio, no interior de São Paulo. Filho dos professores Celso Fleury Moraes e Maria de Fátima Moraes, Fleury sempre mostrou um espírito rebelde e questionador, com grande interesse pela comunicação.

O viés revolucionário veio à tona rapidamente: mesmo com um pai corintiano, Sérgio optou por torcer para o Santos – clube que foi uma de suas grandes paixões na vida. Na infância, recebia diariamente em casa o Estadão – jornal que seu pai Celso assinava. Na casa do avô, Nelson Fleury, chegava a Folha de São Paulo. Para fazer dinheiro e não deixar ninguém desinformado, Sérgio resumia as notícias dos jornais e vendia aos familiares.

Ele não sabia, mas tudo isso não lhe garantia somente os doces que comprava na escola. Era, na verdade, o prelúdio de um jornalista que, corajoso, enfrentaria a ditadura e bateria de frente com poderosos quando da redemocratização.

Já adolescente, Sérgio inaugurou “O Furinho”, jornal cuja periodicidade ele sempre definiu como “de vez em quandário”, embora costumasse ser impresso mensalmente. Tinha assinantes e também compradores: Sérgio batia de casa em casa para vender a edição impressa que ele mesmo escrevia, diagramava e imprimia.

O Furinho” era impresso num mimeógrafo da escola estadual Leônidas do Amaral Vieira com a permissão do diretor da unidade de ensino. Quando este mesmo diretor proibiu alunos de saírem da escola no intervalo, Fleury não poupou críticas à decisão e acabou proibido de imprimir o jornal na escola.

No dia seguinte à proibição, Fleury foi convocado para uma reunião na Delegacia de Ensino e imaginava que sofreria uma retaliação ainda maior. O resultado da reunião surpreendeu: o delegado autorizou que Sérgio imprimisse o jornal na própria delegacia.

Sérgio precisou ser emancipado para abrir o Debate, cuja primeira edição saiu em 17 de setembro de 1977. O slogan nunca mudou: “uma voz livre em sua defesa”, frase que conduziu a postura do combativo jornal.

Ele chegou a ir para São Paulo para estudar engenharia a pedido dos pais, mas nunca fez o curso. Na Capital, ia atrás de máquinas gráficas para imprimir o Debate. Quando voltou, anunciou a compra do equipamento para o pai Celso, que não se surpreendeu. “Você tem tinta no sangue, mesmo”, afirmou.

Não demoraria para que o jornal despontasse na imprensa da região de Santa Cruz. O Debate, afinal, está entre os primeiros veículos do interior paulista que nasceram independentes, sem vínculos com grupos político, o que expressou um desafio que registrou em sua primeira capa, em editorial intitulado “Aqui estamos”.

“Jornal, em cidade pequena, é atividade temerária, principalmente como o nosso, quando não temos a subvenção dos órgãos oficiais, apoio de alas políticas e esta publicação terá de subsistir à mercê dos seus próprios méritos”, disse o texto escrito por Sérgio.

Esta luta conferiu a Fleury uma personalidade irreverente, que irritou, mas também emocionou muita gente. Sérgio já escreveu reportagens sobre pessoas que o encontravam anos ou décadas depois e ainda se lembravam com carinho daquela publicação e da repercussão positiva na época. Alguns chegaram até mesmo a emoldurar as reportagens.

Fleury ganhou destaque nacional ao ser condenado a pagar indenização elevada a um magistrado após noticiar que sua casa e telefone seriam pagos pela prefeitura. O benefício foi posteriormente suspenso e o magistrado o processou alegando ser vítima de uma campanha difamatória.

Na época, a condenação de Fleury ao pagamento de danos morais foi criticada em editoriais de grandes jornais, como o Estado de S. Paulo e O Globo, e levou o jornalista a conceder entrevistas à GloboNews, à finada TV Manchete (hoje RedeTV!), à TV Cultura e ao programa de Jô Soares, o Onze e Meia, sucesso do SBT (foto abaixo).

Sérgio Fleury concedeu entrevista a Jô Soares

O processo repercutiu nacionalmente e foi o pontapé para o início das discussões sobre os problemas da Lei de Imprensa. O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a norma em 2009 – ano em que Sérgio viajou até Brasília para entregar o prêmio “Liberdade de Imprensa” num evento promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ).

O Debate acompanhou e não deixou de ser corresponsável pelo crescimento de Santa Cruz. Nas páginas de seu acervo, afinal, estão os caminhos da cidade até o cenário atual, de economia pujante e indicadores altamente positivos na comparação com outros municípios. Entusiasta da imprensa, Sérgio era também um entusiasta de Santa Cruz.

Sérgio Fleury era especialista em conversar sobre quaisquer assuntos. Do futebol à política, dos buracos na rua Conselheiro Dantas até a economia nacional, Sérgio era profundo conhecedor dos temas e tinha gabarito para discorrer sobre qualquer assunto.

O Jornal Debate passou por mais de três sedes antes de se instalar no prédio atual, na avenida Coronel Clementino Gonçalves, em Santa Cruz. Estão em suas páginas a trajetória de sucesso de muitas empresas que fazem de Santa Cruz a cidade que é hoje. O mesmo vale aos 12 munícipios nos quais o Debate circulou até sua última edição impressa, no final de 2022. O jornal completaria 47 anos em setembro.

Mas Fleury manteve edições semanais digitais, em formato PDF, ininterruptas até seu quadro de saúde se agravar. Ele não perdeu o sentimento de indignação mesmo ao final da vida, já internado. Lia notícias e comentava com o mesmo vigor de sempre. Um de seus últimos pedidos, já internado, foi justamente um jornal para se atualizar das notícias.

Além do jornal, Sérgio também foi comentarista nos últimos tempos do programa Diário Cidadão, da rádio 104FM.

Seguiu até quando pôde o lema que ensinou aos filhos de que nunca se pode perder o direito a se indignar. A última edição do Debate saiu em 5 de fevereiro. A seguinte seria no dia 12, mas seu quadro de saúde se agravou.

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