562 – FALA, MÁRCIO SANTILLI: Regulamentação do mercado de carbono

Está em discussão no Senado um projeto de lei (PL nº 412/2022) para regulamentar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões de gases de efeito estufa. A proposta é relatada pela senadora Leila Barros (PDT-DF) e tem o apoio do governo, que preferiu encaminhar sugestões à parlamentar, em vez de apresentar um projeto próprio. A expectativa é de que a Casa aprove o PL até o final deste ano, para que tramite na Câmara no ano que vem.

O mercado do carbono vem se estruturando desde a aprovação, no âmbito da convenção da ONU sobre mudanças climáticas, do Protocolo de Quioto, tratado internacional que fixou metas de redução de emissões para os países industrializados, na condição de maiores emissores históricos, protagonistas da revolução industrial. Para facilitar que países ou setores específicos da economia alcancem as suas metas, o protocolo criou mecanismos para compensar parte das suas metas com a compra de créditos de carbono, emitidos por projetos em outros países ou em outro setor da economia, que tenham gerado igual redução.

O que dá sentido a esse mercado é tornar mais barato e mais rápido o início de um processo global de redução de emissões. Para garantir isso, é preciso muito rigor na aferição dos ganhos climáticos dos projetos e na contabilidade de emissões evitadas ou de carbono retirado da atmosfera. Sem garantir essa adicionalidade climática, esse mercado seria prejudicial para a redução de emissões.

As diretrizes gerais do mercado são definidas no âmbito das negociações internacionais, mas cada país deve produzir a sua própria legislação, considerando as características de cada economia e a sua conexão com o mercado global. Dezenas de países já regulamentaram o assunto, mas o Brasil ainda não.

METAS SETORIAIS – O país está recuperando o protagonismo perdido nas negociações internacionais sobre o clima, mas estamos atrasados no front legislativo. Enquanto não há regulamentação, empresas e associações inserem os seus projetos no “mercado voluntário”, não regulado. Definem metas próprias de redução de emissões e adotam os padrões exigidos por certificadoras internacionais, monitorados por empresas de consultoria do país ou do exterior.

Essa inserção é mais intensa entre empresas que atuam no mercado internacional. Para assegurar a competitividade dos seus produtos e serviços, precisam comprovar padrões de sustentabilidade, que incluem políticas corporativas relativas à crise climática. Porém, em outros setores ainda prevalece o receio de assumir metas próprias de redução de emissões.

O ponto de partida da regulamentação do mercado é definir, no contexto da economia brasileira, os setores que mais emitem e que devem assumir, desde logo, metas de redução das emissões. Essas metas devem dialogar com os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e basear-se nos inventários nacionais de emissões.

PARTICIPAÇÃO – Haverá muito debate em todos os setores envolvidos. As propostas do governo e os esforços da relatora do PL nº 412/2022, colhendo sugestões por meio de audiências públicas, estão constituindo uma boa base para as discussões, que devem se aprofundar na sociedade em geral. Enquanto muitas empresas já entendem a regulação, inclusive a definição de metas, como estratégia de competitividade, outras sentem-se inseguras e rejeitam obrigações corporativas.

Por exemplo, em audiência pública no Senado, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que representa grandes proprietários de terras, pediu a exclusão do setor no regime de metas, mas grandes agroindústrias antecipam-se à lei e constroem programas próprios de redução e de neutralização de emissões.

O debate também perpassa a estrutura federativa. Os estados alegam que a proposta do Senado subestima o seu protagonismo no tema, que estaria concentrado no governo federal. É provável que se amplie o papel dos estados na governança do sistema, além da gestão das suas próprias terras.

FLORESTAS – O foco central do mercado de carbono é a redução de emissões na indústria, por meio de projetos que substituam o uso de combustíveis fósseis por energias limpas. A transição energética é o elemento mais importante e mais custoso para se enfrentar a crise climática. Mas a regulamentação deve alcançar, também, o setor florestal. As emissões decorrentes do desmatamento representam menos de 15% das emissões globais, mas alcançam cerca de metade das emissões brasileiras.

A inserção de projetos florestais no mercado voluntário tem especificidades. Em geral, os seus melhores resultados ocorrem em 30 anos, o que é muito diferente de substituir um gerador de energia ou uma frota de ônibus. Por isso, estão sujeitos a um risco maior. Ações de restauração florestal de áreas degradadas são mais seguras e têm resultados mais facilmente quantificáveis. Projetos de conservação florestal e desmatamento localmente evitado são mais suscetíveis a erros.

Alguns estados da Amazônia vêm construindo “projetos jurisdicionais”, que prevêem compensações financeiras por desmatamento evitado. Eles não se destinam propriamente ao mercado, mas a fundos internacionais que, por sua vez, são bancados por empresas multinacionais. Nesses projetos, os estados envolvem todo o estoque de carbono existente nos seus territórios, exceto o que eventualmente tenha sido negociado no mercado voluntário.

Os projetos jurisdicionais estão sendo vistos com certa desconfiança pelos atores do mercado, que temem pela influência excessiva do poder público. Porém, por sua escala, esses projetos absorvem melhor os riscos inerentes aos projetos pontuais e podem acordar critérios de repartição de benefícios mais inclusivos para povos indígenas e outras populações tradicionais.

A regulamentação não vai instituir o mercado de carbono. Ele já existe há décadas e mobiliza vultosos recursos entre países do hemisfério norte. Vem operando no Brasil e em outros lugares na informalidade do mercado voluntário. A lei deveria evitar conflitos e facilitar a inserção dos atores sociais interessados nas oportunidades geradas no esforço global para reduzir emissões.

Márcio Santilli é filósofo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental. Autor do livro Subvertendo a gramática e outras crônicas socioambientais. Deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e presidente da Funai de 1995/1996.

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