O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) transferiu, simbolicamente, a sede da administração paulista para São Sebastião, município mais afetado pela chuva torrencial que devastou o litoral norte durante o carnaval. Ele reagiu de imediato, mobilizou socorro, pediu ajuda ao governo federal e sobrevoou a região afetada na companhia do presidente Lula, que interrompeu o seu descanso na Bahia para se fazer presente e enfrentar a tragédia. Tarcísio agradeceu a presença e o apoio do chefe da gestão federal.
Porém, a Defesa Civil do estado havia sido alertada ainda na quinta-feira anterior sobre a aproximação de chuvas anormais na região. Não havia como evitar a tempestade, mas a população dos municípios litorâneos deveria ter sido alertada sobre a iminência do evento extremo, em especial os moradores de áreas de risco, assim como os turistas.
Pode ser que o governador não tenha sido informado. Pode ser que sim, mas não tenha dado fé ou a importância devida. Com quase 700 milímetros de chuva em 72 horas, a tempestade foi das maiores já registradas, o que Tarcísio não poderia ter previsto. Mas o risco climático anunciado e a vulnerabilidade típica da região, com a Serra do Mar muito próxima do oceano, pediam por ações preventivas, que não ocorreram.
CETICISMO – Tarcísio foi ministro da Infraestrutura do ex-presidente Bolsonaro, um notório cético climático, que eliminou o tema na estrutura e nas políticas de governo. Isolou o país do resto do mundo, agravou o desmatamento e outras fontes de emissão de gases do efeito estufa. No seu mandato, nada fez pela adaptação do país à crise climática.
O que agora se pergunta é se o governador também é um cético climático. Além da relação com Bolsonaro, ao assumir ele extinguiu a Secretaria de Meio Ambiente, mostrando aversão ao tema. O estado tem graves problemas ambientais, que tendem a se agravar durante o seu governo. O desastre no litoral norte deveria ser suficiente para abrir a sua mente, mas não há indícios nesse sentido.
Tarcísio militarizou a Defesa Civil e não dispõe de instrumentos para promover a gestão sustentável do território e dos recursos naturais, e é baixa a sua capacidade de se antecipar a situações desse gênero. Pelo jeito, nem dispõe de quem se preocupe com isso. Assim, está condenado a apenas correr atrás do prejuízo.
Enquanto parlamentares fisiológicos locupletavam-se com o orçamento secreto e Bolsonaro gastava bilhões com a tentativa de reeleição, o orçamento aprovado para 2023, entre várias outras barbaridades, reserva o menor valor já registrado para enfrentar catástrofes e emergências. É uma evidência do oportunismo criminoso que ainda se impõe no Congresso.
Nos estados e municípios, a situação é ainda pior. Apenas sete capitais brasileiras dispõem de planos de adaptação à mudança climática. Assim como em nível federal, no entanto, esses planos têm execução quase nula. Cidades com alto grau de vulnerabilidade, como é o caso de São Sebastião, sequer têm planos formulados. O atual prefeito, Felipe Augusto (PSDB), tem se desdobrado para enfrentar a crise. É emblemática a cooperação entre o município, o estado e a União nesse esforço, após a hostilidade política e a total desarticulação administrativa do governo Bolsonaro.
A extensão dos danos e o número de vítimas em ocorrências climáticas extremas estão associados à expansão urbana descontrolada e em zonas de risco, ignorando os efeitos do aquecimento global, que incluem volumes inéditos de precipitações em curtos períodos de tempo. Também abundam os casos de administradores que oferecem terrenos gratuitos e isenções fiscais para empresas e para quem não precisa. E, ainda mais, há os que investem em projetos populistas e pagam cachês milionários por shows musicais e outros eventos fúteis, mas se recusam a investir recursos essenciais para a prevenção de tragédias. Parece esperteza, mas é só pura canalhice política.
A situação do clima mundial agrava-se e as medidas já tomadas por alguns países são insuficientes para deter e reverter a tendência. Ficarão para trás cidades, estados e países que não forem capazes de priorizar o que é essencial para evitar catástrofes climáticas e para promover condições básicas de adaptação para as suas populações. Tomara que essa dolorosa lição sirva para abrir os olhos e o coração das autoridades responsáveis.
O autor, Márcio Santilli, é filósofo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Autor do livro Subvertendo a gramática e outras crônicas socioambientais. Deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e presidente da Funai de 1995 a 1996.
Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil