034 – FALA, JÚLIO GARCIA – Presente e passado

pitanguá

O Alzheimer ainda não impede certos resgates que, inesperadamente, brotam do meu desgastado baú mental.

Resgates motivados por datas, conversas, incidentes, presentes…

Fui mexer na estante, organizar melhor os livros e encontrei o presente do Otávio Vale, o Tatau, amigo querido, editor de fotografia do Grupo Folha, em São Paulo.

Tatau deu-me o livro “Música Caipira – As 270 Maiores Modas”, do também jornalista, José Hamilton Ribeiro, com quem tive breve convívio na redação do Movimento, um semanário de oposição à Ditadura Militar, em 1970/80. Tenho como relíquia a revista Realidade, com a matéria de capa sobre o Zé Hamilton, atingido pela explosão de uma mina, que lhe amputou a perna, na cobertura da Guerra do Vietnã.

A leitura do livro acabou por despertar em mim lembranças de entrevistas que fiz ao longo dos anos, com gente de sacristias, circos, fóruns da Justiça, botecos, várzeas, conventos, prostíbulos…

Causos de paletós e gravatas, vestidos longos e minissaias e, principalmente, chinelinhos vão-de-dedo. Com os entrevistados, aprendi o humano. Em suas grandezas e misérias. Purezas e espertezas. Na doçura e na amargura. Angélicos, diabólicos. De poéticos, sensíveis, a sertanejos universitários. A amplitude do humano, repito.

Ao folhear o presente do Tatau, reencontrei um episódio que me enviou à metade do século passado, envolvendo a dupla Tonico e Tinoco, expoente da música caipira. Eles eram amigos de meu avô, Zequinha. Os três eram de São Manoel, interior de São Paulo. Quando a dupla não tinha shows nos circos do país, trazia as famílias para passar fim de semana na fazenda do meu avô, aqui pertinho, em Palmital.

Em um desses encontros animados – eu devia ter entre 5 e 7 anos –, meu avô chamou-me à cozinha e pediu: “Leva esta caneca de quentão pra mulher do Tonico e Tinoco”. Devo ter feito cara de dúvida e vô Zequinha deu uma gargalhada, corrigindo: “Pra mulher do Tinoco”.

Agora, no livro do Zé Hamilton, tenho a alegre surpresa de reencontrar a “mulher do Tonico e Tinoco”. Havia me esquecido de que na página 273, Tinoco conta: “No prédio onde moro, quando passa a minha mulher o povo comenta: ‘Olha lá a mulher do Tonico e Tinoco’.”

Zé Hamilton ainda diz que quando uma dupla dura muito, e um dos parceiros morre, fica difícil para os fãs memorizar qual dos dois morreu. Como aconteceu com a dupla Xavantinho e Pena Branca. O próprio Pena Branca conta que os fãs vinham consolá-lo, mas trocavam: “Coitado do Pena Branca. Ainda bem que não foi você, né?”

O presente do Tatau me levou ao passado. Da escuridão da minha rala biografia, senti-me reconfortado, mesmo revivendo uma historinha besta, um inexpressivo episódio doméstico, mas que resgata um povo reluzente do sertanejo brasileiro.

Graças ao presente do Tatau, outro ser de luz.

fala, julio garcia

Júlio Cezar Garcia, é jornalista e um dos fundadores do Jornal da Segunda

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